Título: Terceiro turno em São Paulo
Autor: Miguel Ignatios
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/12/2004, Opinião, p. A3

Para adversários políticos a Lei de Responsabilidade Fiscal. Depois da sensação generalizada de que, pela primeira vez em décadas, o eleitor paulistano pôde enfim escolher entre dois excelentes candidatos, embora de perfis ideológicos diferentes (José Serra e Marta Suplicy), saindo assim daquela incômoda situação, que perdurou por muito tempo, de ter de escolher entre o pior e o menos ruim, as primeiras baixarias, motivadas por puro revanchismo, começaram a se manifestar.

Dessa forma, aquele clima civilizado, que precedeu o segundo turno das eleições, resumido na frase do empresário Antônio Ermírio de Moraes "Nada contra a prefeita Marta Suplicy, mas Serra é mais preparado para administrar a cidade", logo foi substituído por ameaças veladas de represálias, caso a administração tucana não se comprometesse a manter alguns programas de interesse eleitoral para o PT em 2006.

Três atitudes merecem ser lembradas, como exemplos de tudo aquilo que deve ser definitivamente banido da vida republicana.

São elas: a iniciativa da Câmara de Vereadores de "ressuscitar" o malfadado Centrão e a ameaça de rever a desvinculação de 15% das receitas do orçamento municipal, medida aprovada no início da gestão da atual prefeita; e a recusa da administração petista em renegociar com a União o vencimento de parcela da dívida da prefeitura, estimada em nada menos do que R$ 7 bilhões, previsto para maio de 2005.

O Centrão coloca-se como fiel da balança legislativa e pauta-se na ação política da reciprocidade de favores. Esse tipo de iniciativa o PT sempre condenou ao longo de sua história.

A Prefeitura de São Paulo tem uma dívida consolidada com a União de R$ 30 bilhões. Obviamente, tal montante, bem como o vencimento de suas parcelas, precisa ser criteriosamente renegociado, sob pena de paralisar durante, no mínimo, em uma década os investimentos em obras necessárias para a melhoria da qualidade de vida dos mais de 10 milhões de moradores da cidade.

A recusa da administração petista em negociar a dívida é suspeita, uma vez que, durante a campanha para a reeleição, a prefeita prometeu continuar a construção de escolas, conhecidas como CEUs, na periferia da cidade.

Como tais obras custam, em média, de quatro a cinco vezes mais do que estabelecimentos de ensino tradicionais, deduz-se que ela tenha recebido sinal verde do Planalto para uma ampla revisão de prazos e de parcelas a vencer da dívida municipal.

Ou seja, para amigos e correligionários, toda a boa vontade possível. Para adversários políticos, a lei. No caso, a de Responsabilidade Fiscal, aprovada durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Como se deduz, na virada do ano, o prefeito eleito, José Serra, receberá das mãos da prefeita Marta Suplicy um enorme "abacaxi", como se diz na linguagem popular.

Para descascá-lo, o prefeito eleito terá o apoio decisivo do governador do estado, Geraldo Alckmin, e dos eleitores que votaram nele. Contará também com a boa vontade da mídia, da opinião pública e das pessoas de bem porque a causa - a governabilidade de São Paulo - é justa.

kicker: A Prefeitura de São Paulo tem uma dívida consolidada com a União de R$ 30 bilhões