Título: Superávit primário pode ficar sujeito a metas ajustáveis
Autor: Janaína Leite
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/12/2004, Nacional, p. A4

Credores admitem a urgência de se investir em infra-estrutura. Trabalhar com a legislação à mão, escapando de intensas costuras políticas no Congresso Nacional. Esse é o conselho que a equipe econômica tem ouvido dos organismos internacionais de crédito, incluídos o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird). O modelo de superávit primário que vem sendo discutido com o Brasil é simples ¿ metas ajustáveis de superávit primário, usando bandas para cima e para baixo, a exemplo do que ocorre com as metas de inflação.

A proposta dos credores internacionais baseia-se em duas diretrizes. A primeira é que, contabilmente, o conceito de superávit primário é receita menos despesas do setor público (União, estados, municípios e estatais). Considerar os gastos em infra-estrutura excepcionais e tirá-los da conta não é operação vista com bons olhos. Isso porque, além de se constituir em exceção, o Brasil estaria dando margem a dúvidas sobre a transparência de suas contas.

A segunda diretriz é abrir espaço para investimentos maiores em infra-estrutura, mesmo com a manutenção do conceito clássico de superávit. A área é considerada como a bomba-relógio de maior potência nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Calcula-se que o déficit de investimentos chega a R$ 20 bilhões. A adoção de bandas para o superávit permitiria aos brasileiros deixar de mirar o centro da meta de superávit primário e, por conseqüência, afrouxar um pouco o garrote fiscal.

Se vingar a discussão e o Brasil obtiver um superávit menor, no piso da meta, o governo se comprometeria a explicar que isso aconteceu porque investiu em determinadas obras de infra-estrutura, além de detalhar esses gastos. As obras teriam de ser esco-lhidas previamente, de acordo com uma série de critérios ¿ o principal seria o retorno financeiro.

Um dos maiores problemas é o da competência - saber a quem cabe a avaliação dos projetos. Pela lei atual, a responsabilidade é atribuição do Ministério do Planejamento. Depois do crivo técnico, os planos de investimento voltariam ao Congresso.

"O atual conceito de superávit é draconiano, nos moldes internacionais, e duvidoso do ponto de vista conceitual. O uso de recursos em infra-estrutura é mais do que necessário e teria de atender a três critérios de retorno: o econômico puro, no caso de investimentos das estatais; o tributário, quando vier do Executivo, como concessões, e o social", avalia o professor da Unicamp Geraldo Biasotto, especialista em contas públicas.

Sinal de que o governo pode estar se resignando a esse modo de pensar foi dado ontem pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Durante entrevista sobre a revisão do PIB de 2003, em Brasília, ele reafirmou a importância de o País economizar, fazendo superávits primários, mas disse admitir como razoável a atual meta para 2005, fixada em 4,25% do PIB.

Superávit maior é sinônimo de absurdo para alguns analistas. "O mercado está fazendo o papel dele ao pedir um superávit maior, mas cabe ao governo mostrar firmeza não só em cumprir compromissos mas em permitir um superávit menor quando a economia cresce. Não existe motivo para o governo ser mais realista que o rei", ¿ afirma o economista José Roberto Afonso, ex-secretário de Relações Fiscais do BNDES e com trânsito junto aos tucanos.