Título: Entre a confiante decolagem e o pouso forçado
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Fonte: Gazeta Mercantil, 02/12/2004, Opinião, p. A-3
O economista Luiz de Mello, responsável pelas análises de Brasil no relatório semestral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - que reúne os 30 países mais ricos - afirmou que as bases para um "ciclo de crescimento econômico sustentável e virtuoso do País foram lançadas". É a repercussão internacional mais consistente do fato de que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil continuou a crescer, no terceiro trimestre de 2004, pelo quinto período consecutivo. Nos nove primeiros meses do ano, o PIB cresceu 5,3%, o melhor resultado da última década. Entre julho e setembro, a economia brasileira cresceu 1% e, 6,7%, em relação ao mesmo período de 2003. Por mais esforçada que seja, sequer a mais pessimista das cassandras, consegue negar o ciclo de expansão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não escondeu a euforia. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reconheceu que está feliz, "mas não estou cantando, igual ao presidente".
As razões da contida reação do ministro com as auspiciosas notícias dizem respeito aos meios para manter o sorriso dos agentes econômicos no ano que vem. O que fazer para que o ciclo de crescimento avance ao longo de 2005? Entre os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), merece destaque o crescimento de 6,7% na formação bruta de capital fixo (investimento) no terceiro trimestre do ano, em relação ao anterior. De janeiro a setembro, o crescimento nos investimentos foi de 11,8% contra uma queda de 5,7% no mesmo período do ano passado. A expansão no emprego formal nos dez primeiros meses do ano - criação de 1,796 milhão de postos de trabalho - é resultado desse ímpeto de investir. Ou seja, quem está apostando na permanência do ciclo de expansão está contratando. Não há evidência mais significativa do que é a expectativa e a confiança do mercado.
A taxa de investimento atingiu mais de 19% do PIB no terceiro trimestre, uma forte recuperação em relação a 2003. O IBGE mostrou que a construção civil, motor de todo ciclo de expansão, cresceu 11,6% no terceiro trimestre em relação ao mesmo período de 2003. Consumo de máquinas e equipamentos (produção doméstica e importação, excluindo exportação) cresceu 20% nesse período, na mesma base de comparação.
Os economistas do Banco Central (BC), no entanto, têm outra visão desse mundo. A taxa de juro segue na estratosfera - e subindo ... - porque a economia brasileira cresce acima do chamado "PIB potencial", gerando pressões inflacionárias. Nessa perspectiva, o uso da capacidade instalada da indústria brasileira já superou, desde agosto, a média de 84%, o nível mais alto desde 2001. O BC não esconde que a principal justificativa da alta da taxa Selic é o risco da demanda crescer muito mais rápido que a oferta. Exportar é a solução, portanto, por não aquecer a demanda interna. Porém, no começo de novembro, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) divulgou que, pela primeira vez, o Brasil destinou ao mercado externo 15,4% da produção industrial.
O cruzamento dos dados sobre o PIB trimestral do IBGE e o relatório semestral da OCDE podem vir a ser uma convincente explicação dos motivos pelos quais o ministro Palocci não acompanha o trinados de felicidade do presidente Lula. O relatório do organismo internacional mostra que o mundo convive com uma "sensação de incerteza difusa" provocada, primeiro, pelo preço do petróleo que "amortecerá o crescimento econômico mundial no próximo ano". Isso, sem contar, segundo o relatório, o risco de um "fracasso na administração competente das oscilações cambiais". Em outras palavras, se os investidores estrangeiros - que são donos de 13% das ações, de 24% dos títulos privados e de 43% dos títulos dos Estados Unidos - perderem a fé na "competitividade" do dólar, será difícil evitar uma recessão internacional. O excessivo enfraquecimento do dólar perante o euro, para conter o buraco de 6% do PIB de US$ 11 trilhões nas contas externas dos EUA, pode fazer com que o governo chinês, japonês e sul-coreano pensem mais seriamente na diminuição da participação relativa da moeda americana nas suas reservas. Se o "pouso do dólar" for organizado - como já ocorreu em 1985 - a recessão internacional será evitada no ano que vem. Caso contrário, o mercado mundial encolhe e o ímpeto exportador brasileiro encolhe junto.
Como o IBGE mostrou, há uma sólida atmosfera, entre nós, de confiança no investimento. O relatório da OCDE, incisivo quanto ao contexto internacional, notou a mesma realidade. Os agentes econômicos optaram pela "decolagem" interna frente aos riscos do "pouso" externo. Falta convencer os que detêm o manche da taxa de juros. kicker: O IBGE mostrou que a economia cresceu e confia no futuro. O cenário externo, no entanto, sinaliza "incertezas difusas"