Título: Discurso ensaiado
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2011, Política, p. 2

Em comunicado conjunto, cinco países do Brics acertam que vão demonstrar preocupação com a violência na Líbia, sinalizar regras para o preço das commodities e reconhecer a aspiração brasileira a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU

Enviada especial

Sanya ¿ Depois de dois dias de intensas discussões em Pequim para fortalecer as relações com a China, a presidente Dilma Rousseff desembarcou na Ilha de Hainan, no sul do país, onde se prepara para repetir hoje em sua segunda etapa da visita ao gigante asiático o mesmo discurso de condenação ao uso da força na crise da Oriente Médio, adotado durante a visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil em março. Desta vez, no entanto, com mais apoio. A declaração conjunta dos chefes de Estado do Brics ¿ Brasil, Rússia, Índia, China e, a partir de agora, a África do Sul ¿ demonstrará preocupação com a turbulência na região, especialmente na Líbia, vai reiterar o princípio da não intervenção e diz textualmente que ¿o uso da força deve ser evitado¿. O texto será assinado também pelos sul-africanos, recém-chegados ao bloco, embora tenham votado a favor instituição da zona de exclusão aérea líbia quando a decisão foi tomada nas Nações Unidas.

No linguajar diplomático, a expressão ¿deve ser evitado¿ que os países usam para se referir à violência, num recado direto à questão da Líbia, é considerada quase como uma condenação, embora não chegue a tanto. O documento começa com a saudação dos quatro países ao ingresso da África do Sul. Cada palavra colocada no texto foi exaustivamente estudada durante três dias por autoridades diplomáticas dos cinco países.

Em termos práticos, é o ponto da declaração que mais se afinará com o desejo do Brasil. O mesmo documento tratará ainda de outro tema da agenda que as autoridades e os empresários brasileiros acompanham com olhares atentos: o preço das commodities (soja, carne, minério de ferro, enfim produtos de origem primária) e a pressão de alguns países para que o valor seja controlado. Mas, nesse quesito, o governo brasileiro não conseguiu tantos avanços assim. O texto trata apenas de forma mais geral, dizendo que é preciso atenção para que não se prejudique ou cause mais desequilíbrios financeiros e econômicos, de forma a fortalecer a cooperação e os mercados físicos (estoques).

Em termos do Conselho de Segurança da Nações Unidas e a consequente ampliação para os países em desenvolvimento, o texto tampouco promete muitos avanços. No caso da vaga que o Brasil e a Índia pleiteiam dentro do conselho, a declaração afirma ainda que Rússia e China reconhecem o papel crescente dos outros três integrantes do Brics em termos multilaterais e apoiam a aspiração desses países a ter uma participação maior nas Nações Unidas.

Outros assuntos que devem render avanços são na área de ciência e tecnologia. A ideia é criar uma comissão permanente para verificar pontos em comuns. Ontem, os presidentes de bancos de desenvolvimento dos cinco países firmaram um acordo para estudo de financiamento em moeda local, o pode ajudar o setor.

Inflação Temas mais espinhosos, entretanto, como o câmbio fixo praticado pelo chineses e a inflação estão fora da pauta da reunião de hoje. As reuniões preparatórias consideraram que esses assuntos devem ser discutidos em fórum mais amplo, como o G-20, que se reúne em novembro em Cannes, na França.

A ideia da reunião de hoje é justamente tirar posições comuns em alguns temas que possam ser levados ao G-20, como as discussões relativas à ampliação da presença dos fóruns de governança global políticos e econômicos. Em relação ao FMI, por exemplo, o comunicado reforçará o que disse a presidente Dilma Rousseff há dois dias em Pequim: a necessidade de reforma do sistema financeiro internacional. ¿A governança do FMI e do Banco Mundial não pode sistematicamente consistir em um rodízio entre EUA e Europa, com os demais países sistematicamente fora¿, disse Dilma.

A presidente desembarcou em Sanya às 22h de ontem (11h em Brasília). Hoje pela manhã, está prevista a foto oficial dos chefes de Estado ¿ Além de Dilma, estarão presentes o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev; o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh; o anfitrião chinês, Hu Jintao; e o mais novo integrante do Brics, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma. Depois da foto, seguem para uma reunião fechada. À tarde, Dilma se reúne separadamente com Zuma, Singh e com o primeiro-ministro da Ucrânia, Mykola Azarov, que participará amanhã do fórum econômico de Bo¿ao, também na Ilha de Hainan.

TUDO FECHADO Quem escolheu a primavera para descansar em Hainan se arrependeu. Há quatro dias, desde que as delegações e os diplomatas começaram a chegar à ilha, os caminhos estão praticamente fechados. A cada 100m existe uma barreira policial na estrada principal dos resorts de Yalong Bay, em Sanya, pedindo documentos. No Marriott, onde a presidente Dilma está hospedada, visitante só entra com credencial. Os táxis comuns estão impedidos de circular na região. Ontem, até o banho de mar era proibido nas proximidades do hotel Sheraton, onde ocorre hoje o encontro de cúpula do Brics.