Título: Os embates da reforma ministerial
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/11/2004, Editorial, p. A-3

Os mercados estão calmos mas, pouco a pouco, o nervosismo da área política vai solapando o clima de confiança na estabilidade do governo, empenhado numa reforma ministerial, causa e efeito desse processo. Espera-se que a vulnerabilidade inerente à reforma do gabinete não contamine os mercados nem prejudique os negócios. Os agentes econômicos devem convir que é inerente uma certa decomposição do quadro político quando um governo recompõe seu esquema de correlação de forças no regime presidencialista.

Neste momento o presidente da República está empenhado em tecer a colcha de retalhos que forma sua base aliada, composta de um leque heterogêneo de partidos. Não há partido no campo situacionista que não apresente, internamente, dissensões e, em muitos casos, graves problemas de comando. Mesmo entre as pequenas agremiações, verifica-se a ação de correntes disputando a hegemonia. Já na oposição, as discordâncias não são tão evidentes, pois a luta contra o governo é um objetivo estratégico que se impõe, fortalecendo a disciplina. São poucos os exemplos de fraturas na área oposicionista, apenas ressaltando-se a corrente liderada pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), que vez por outra assume posições antagônicas à direção nacional do PFL, comandada pelo senador Jorge Borhausen (PFL-SC).

No momento, o noticiário apresenta, aos mercados, um quadro confuso em que o presidente da República procura acertar a participação do PMDB no seu sistema de forças. Essa é uma missão difícil, que o chefe da Nação chamou a si, pois esse partido é uma entidade complexa, porém decisiva para a estabilidade política do governo no ano que vem. O PMDB é o que restou da coluna-mestra da grande frente de oposição que se aglutinou no MDB durante o regime militar, originando 90% dos partidos atuantes no cenário nacional vinte anos depois do fim do regime totalitarista. Com isto, ao perder pedaços que se afastaram para formar novos partidos, manteve em seus quadros fatias da antiga frente, o que gerou um partido numericamente exuberante, mas profundamente dividido. Entretanto, o governo não pode dispensar essa massa poderosa para compor sua base política, o que explica o empenho do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva em atuar como amortecedor desses antagonismos, criando as condições para absorver essa numerosa agremiação.

Assim também devem ser interpretados alguns acontecimentos recentes, como a polêmica participação do presidente do Incra, Rolf Hackbart, criticando a política agrícola, ou as manifestações de sexta-feira, em Brasília. Esses episódios não revelam movimentos estratégicos da esquerda governista, mas ações táticas para assegurar posições na iminente reforma ministerial.

O que realmente importa é que o presidente está usando toda sua capacidade negociadora para compor um esquema político que possa sustentar os objetivos de sua administração em 2005. Esse será o último ano para a realização de reformas que dependam de ampla maioria no Congresso. Em 2006, com a sucessão presidencial e nos estados, a aliança política tenderá a fragmentar-se, com os partidos voltados para as eleições, em franca competição entre si.

Enquanto isto, o presidente tem pressionado suas lideranças parlamentares a manter o Congresso ativo, cuidando de questões relevantes que dependem de votações para acelerarem sua tramitação, objetivando esfriar os ânimos exaltados pelos recentes embates eleitorais nos estados e pelo fracasso do projeto de reeleição dos presidentes das duas casas. Essa luta interna no parlamento e nos partidos pelo comando da Câmara e do Senado ainda vai produzir fatos políticos, que se projetarão na abertura da próxima legislatura, em fevereiro de 2005.

É esse o quadro real do espaço político no Brasil, neste final de ano: os partidos, derrotados aqui, vitoriosos ali, lambem suas feridas porque somente as derrotas deixam seqüelas. Entretanto, pouco a pouco, devem voltar-se para o futuro, pois é isto que alimenta a política. Já o presidente e seu governo precisam acomodar-se dentro do novo quadro. Nisto, o que se observa é que o presidente da República não esmoreceu, movimentando-se com a agilidade que lhe é peculiar, procurando alcançar o novo equilíbrio. Por isto, os mercados devem manter-se em calma, não se deixando influenciar, pois não há, de fato, ameaças concretas de desestabilização. Os negócios devem continuar, sempre esperando que as lideranças, como sempre, retomem o comando da vida política reconduzindo o País à sua normalidade.

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kicker: O presidente está usando sua capacidade negociadora para compor um esquema para sustentar sua administração em 2005