Título: Perigos da insegurança jurídica
Autor: Alfredo Caregnato
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/11/2004, Editorial, p. A-3
Contrapartida da ousadia empresarial é um arcabouço legal estável. A retomada do investimento privado é a maior preocupação do governo no momento. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cobrou ousadia dos empresários na posse da diretoria da Fiesp. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) admitira poucos dias antes a dificuldade em cumprir o orçamento para este ano, por insuficiência de demanda. O quadro soa surpreendente, pois a economia deverá crescer perto de 5%, pela primeira vez desde o Plano Real, há dez anos. Mas não causará estranheza a quem dedique a necessária atenção à segurança jurídica. O termo expressa respeito a contratos e previsibilidade das decisões judiciais, amparada na aplicação escorreita das normas do sistema jurídico vigente. Uma posição importante nesse particular foi reafirmada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que negou validade a dispositivo de decreto-lei que delegava poderes (em branco) ao ministro da Fazenda para que este, por ato administrativo, anulasse regra prevista em lei. A decisão consagra os princípios constitucionais da hierarquia das normas e da legalidade, pelos quais os decretos e regulamentos editados pelo Poder Executivo servem somente para dar fiel execução às leis e não se prestam para modificar, alterar ou extinguir preceitos ou conteúdos normativos. A decisão reflete princípio adotado pela maioria dos países desenvolvidos: as exportações devem ser desoneradas de quaisquer exações incidentes no mercado interno. No caso brasileiro, o pleno cumprimento desse princípio se dá, entre outras formas, por meio do denominado crédito-prêmio de IPI (Decreto-Lei n 491/69, art. 1), o qual prevê restituição dos tributos incidentes na cadeia produtiva antes da efetiva exportação de produtos manufaturados pelas empresas. A declaração de validade das normas que prevêem a manutenção desse método legal de restituição predominou em mais de 200 litígios julgados pelas turmas especializadas do Colendo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, recente julgado dissidente da 1 Turma do STJ invoca o Decreto-Lei n 1.658/79 para declarar a extinção do crédito-prêmio de IPI em 30 de junho de 1983, contra o que previa a jurisprudência consolidada naquela Corte sobre o caso. Saliente-se que o artigo 1 do Decreto-Lei n 1.894/81, sendo lei válida posterior ao DL 1.658/79, o revoga no particular, seja por incompatibilidade material, seja por tratar integralmente da matéria, posto que estende o incentivo para todas a empresas exportadoras sem definição de prazo para sua extinção. Nesses embates há algo mais grave que a em si preocupante protelação do exercício de um direito líquido e certo. Revela-se, aí, a incompreensão da importância decisiva da certeza jurisdicional. Sem garantir perenidade das decisões reiteradas e consolidadas no Poder Judiciário e agilidade no reconhecimento prático de um direito, não há como atrair investidores ou estimular companhias já instaladas a assumir riscos maiores no Brasil. Exigir ousadia dos empresários é justo e necessário, dada a magnitude dos desafios a enfrentar para a integração social da população brasileira. Só que não há como fazê-lo sem a contrapartida da garantia de um arcabouço legal sólido e estável. kicker: Sem garantir agilidade no reconhecimento de um direito não há como atrair investidor