Título: ColunistasAs cidades insustentáveis
Autor: Wilson Lang
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/11/2004, Editorial, p. A-3

O retrato social, econômico e de infra-estrutura das cidades brasileiras não é o que propriamente podemos chamar de um cartão-postal atrativo. Déficit habitacional de 6,6 milhões de moradias; 76% do lixo produzido sem nenhum tratamento; 83 milhões de pessoas sem tratamento de esgoto; transporte público ineficiente; poluição sonora, ambiental e visual; trânsito caótico; acidentes de toda ordem; crescimento desordenado; pressão das populações de municípios vizinhos que utilizam os serviços públicos dos centros metropolitanos. O cenário urbano está crescentemente ameaçado e diretamente afetado por riscos e agravos socioambientais. Faz-se mais do que urgente a necessidade da implementação de políticas públicas orientadas para tornar as cidades social e ambientalmente sustentáveis. Sabemos que toda essa problemática gigantesca - que atinge não só as metrópoles como também as médias e pequenas cidades - tem como pano de fundo duas grandes questões. A primeira é de ordem econômica, que faz com que 65% da população brasileira esprema-se hoje nas cidades, empoleirando-se em favelas, cortiços, encostas de morros, áreas ribeirinhas e outras submoradias, despejando esgotos e lixo a céu aberto, tudo isso gerando muitas vezes uma realidade sem volta. O outro motivador da insustentabilidade vivida nas cidades é a falta de planejamento urbano. Se de um lado o fator econômico gera cidades-problema, de outro a falta de políticas urbanas que pensem cuidadosamente seu crescimento e desenvolvimento sustentável é a vilã maior. É aquela que fecha os olhos para o caos e se coloca como a grande salvadora da pátria diante da tragédia instalada. Sem desmerecer alguns bons projetos públicos implantados de maneira tímida e pontual em poucas e privilegiadas cidades brasileiras, podemos generalizar dizendo que até hoje o Brasil não encontrou a fórmula certa para organizar suas cidades. E isso ocorre não pelo fato de estarmos num país sem idéias ou sem bons profissionais de engenharia, de arquitetura e de urbanismo. Ao contrário. Isso acontece basicamente porque nunca se pensou em uma ação integrada entre profissionais, iniciativa privada e poder público. Agora, estamos tendo a oportunidade de implementar esse mecanismo, com a consolidação do Ministério das Cidades, que sem dúvida já é uma manifestação direta da preocupação do atual governo com a qualidade de vida nas cidades brasileiras. Por meio do Conselho das Cidades, do qual o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) está ativamente participando, e também da mobilização nacional para a realização da Conferência das Cidades, a sociedade está pela primeira vez podendo discutir e entender a importância do planejamento e da sustentabilidade das cidades. De outro lado, o Confea avança na implementação de projetos de engenharia e arquitetura públicas, que tem como conceito oferecer, com a ajuda dos Creas em cada estado, o conhecimento dos seus profissionais para orientar a população de baixa renda na construção de moradias. Além disso, o Confea, que reúne mais de 800 mil profissionais em todo o País e possui, sem dúvida alguma, maior relação com todo e qualquer projeto de mudança na orientação de dar sustentabilidade às cidades, faz questão de levantar uma grande discussão nacional diante do tema e reúne no início de dezembro mais de dois mil profissionais para discutir as muitas variantes, problemas e soluções para as áreas urbanas. Especialistas nas áreas de meio ambiente urbano, déficit habitacional, tráfego e acidentes de trânsito, descarte e reciclagem de resíduos sólidos, ciclovias, infra-estrutura urbana, transporte urbano e outros temas mais terão a oportunidade de trazer à tona as novas pesquisas, dados geoeconômicos e soluções desenvolvidas aqui e em todo o mundo. Essas informações, assim como os debates, serão a base para a formulação de políticas efetivas juntamente com o Ministério das Cidades. O momento é este. Contamos a nosso favor com a vontade política de mais de cinco mil novos prefeitos, que assumem seus mandatos e, independentemente de suas ideologias e opção partidária, compartilham o desejo de plantar o novo e resolver os problemas de suas cidades. Contamos com a novidade de um novo ministério dedicado exclusivamente a essa causa. Contamos ainda com a genialidade de muitos urbanistas, profissionais de arquitetura e urbanismo, engenheiros ambientais, químicos, de trânsito, de alimentos, agrônomos e muitas outras especialidades, todos brasileiros que querem ver sair de seus computadores e ir para as ruas seus projetos que podem modificar para sempre a rota do caos percorrida pelas cidades. Nunca estivemos tão perto disso e, infelizmente, nunca foi tão necessário repensar a qualidade de vida e a sustentabilidade das cidades brasileiras. kicker: Até hoje o Brasil não encontrou a fórmula certa para organizar suas cidades