Título: Lula caminha para governar por coalizão
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Prado
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/11/2004, Política, p. A-8

Nos bastidores há dúvidas, mas integrantes do PT afirmam que o presidente está disposto a tudo. As peças no xadrez da reforma ministerial rumam para o formato de uma coalizão. Muitos duvidam nos bastidores da Esplanada e no Congresso, mas integrantes do próprio PT afirmam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a oferecer uma fatia maior do governo aos partidos que compõem a bancada governista.

O líder petista na Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), diz que há disposição do presidente em entregar aos titulares dos ministérios a prerrogativa de nomear de alto a baixo seus auxiliares de confiança. A única ressalva é óbvia e faz sentido: a definição da política a ser adotada não pode contrariar o projeto de governo com o qual Lula foi eleito.

"Se nós tivéssemos formado um governo de coalização desde o início, teríamos tido mais estabilidade e até mais maleabilidade na definição das forças políticas que participariam desta coalização", defendeu o deputado José Eduardo Cardozo (PT¿SP).

Até agora, o chefe do Executivo entregou Pastas aos aliados do Palácio do Planalto, mas a caneta ficou com o PT. O modelo foi imaginado para que tudo ficasse concentrado nas mãos do operador político, o chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu. Se por um lado isso ajudava a filtrar e unificar as respostas do governo, por outro paralisava a administração.

A contestação a este modelo tornou-se tão forte, que desembocou numa paralisia generalizada nas votações no Parlamento. Este estado de coisas é agravado pelo corte nas emendas dos parlamentares e pela emenda da reeleição das Mesas, com privilégio para a permanência do senador José Sarney (PMDB-AP) e do deputado João Paulo Cunha (PT-SP).

"O governo não tem outro caminho. Se não fizer a composição de forças para superar esse impasse, mergulha numa crise político-administrativa profunda", acredita um deputado petista. "Coalizão só de plenário não existe", acrescenta o deputado Belo Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo na Câmara.

Um dos exemplos mais claros de insatisfação com esta prática é o PMDB, que ingressou no governo este ano e reclama dia-e-noite que é chamado apenas para apertar o botão "sim" nos plenários da Câmara e do Senado. O senador Ramez Tebet (PMDB-MS), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a mais importante da Casa Alta do Legislativo, afirma que aliados de verdade precisa ser chamado para definir os rumos e programas do governo. "Por mim, nem cargos teríamos. Para ajudar a governar, não precisa ter ministério. Não estamos discutindo governabilidade, estamos discutindo eficiência administrativa", atacou Tebet.

Ministro da Integração durante o governo Fernando Henrique, Tebet lembra que coalização significa também unidade de discurso. Ele sente-se incomodado quando vê o próprio Lula pedir ajuda aos aliado para ampliar a composição política, enquanto integrantes do governo trocam caneladas em público, como aconteceu recentemente com o presidente do Incra, Rolf Hackbart e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues.

"A proposta do governo não está clara para ninguém. Muito menos para o PMDB", alfinetou.

Uma grande parte da insatisfação do PMDB com Lula vem daí, desembocando na ameaça de uma ruptura com a base partidária do presidente.

Ações travadas

Tome-se o caso de Amir Lando, nomeado para ministro da Previdência. O partido engoliu em seco, pois teria outros nomes na lista do Senado. Depois a situação agravou-se. Na prática, Lando toca seu trabalho como se petista fosse, ao suceder Ricardo Berzoini. Não conseguiu nomear quase ninguém, como pretendia e auto-denominou-se mais de uma vez "rainha da Inglaterra".

Tal formato de levar adiante um governo, com quase tudo concentrado na mão do PT, é um dos principais problemas que travam as ações no Planalto, como adverte Beto Albuquerque. Ele também defende maior participação dos aliados nas decisões. Acrescenta que a preocupação maior do Planalto deve ser do ponto de vista político da execução dos projeto e da prestação de contas. "Mas o momento é de diálogo com todos os partidos da base, não apenas com quem paralisa as votações para ganhar espaço", pondera Beto Albuquerque.

Outros líderes partidários, que preferem o anonimato para não melindrar ainda mais as relações conturbadas com o Planalto, lembram do terror que são as reuniões com o segundo e terceiros escalões dos Ministérios. Os titulares das Pastas até recebem os aliados de forma cortês. Os subordinados é que entornam o caldo.

"Toda reunião tem um barbudinho que eu não sei o nome, a função, a procedência. E são justamente esses que levantam a voz, põem o dedo na nossa cara e dizem que não farão o que foi combinado", confirmou um aliado do Palácio do Planalto.

Porteira fechada

No tempo de Fernando Henrique Cardoso, a escolha da maneira de governar era bem outra. O então presidente tucano entregava a chave a lideranças aliadas, no estilo "porteira fechada". O ministro indicado tinha direito de preencher todo o staff do Ministério, das secretarias, das regionais e das estatais correlatas.

"A diferença é que a coalizão era feita diante de um projeto de governo, de País. Algo que falta à administração petista", aproveita para bater o líder do PSDB no Senado e ex-ministro tucano, Arthur Virgílio (AM).

Esse interlocução com aliados era tamanha na era FHC que o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL¿BA), chegou a ter dois ministros de sua cota pessoal ¿ Rodolpho Tourinho (Minas e Energia) e Waldeck Ornéllas (Previdência) - além do deputado Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) presidindo a Câmara. Quando o senador baiano começou a bater, de forma insistente, no governo tucano, FHC exonerou os dois ministros e chamou o senador José Jorge (PFL-PE) para comandar o Ministério de Minas e Energia e o deputado Roberto Brant (PFL¿MG) para ser o titular da Previdência.

"Nos aproximamos muito de uma coalizão de verdade. Cada partido tinha seu espaço definido e o ocupava integralmente, com apoio do presidente", lembra líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA).

Entre os peemedebistas, despontavam os deputados Moreira Franco (RJ) e Eliseu Padilha (RS), desfrutando de um espaço significativo. O primeiro foi titular da Secretaria Geral da Presidência, responsável pela articulação política com o Congresso. O segundo comandou a Pasta dos Transportes. Não escapa a nenhum analista ou líder partidário que este ministério era todo do PMDB.

Outro peemedebista que teve voz ativa durante o governo Fernando Henrique foi o atual líder do partido no Senado, Renan Calheiros (AL). Ele bateu o pé quando ocupava a pasta e impediu a nomeação de João Batista Campelo como diretor-geral da Polícia Federal. Campelo era acusado de participação de sessões de tortura durante o regime militar.

Noves fora, a divisão de poder entre PSDB, PFL e PMDB poder foi fundamental para que FH aprovasse quase tudo que tentou no Congresso - até a emenda da reeleição, considerada um casuísmo entre os próprios aliados. Por outro lado, produziu o racionamento de energia e denúncias sérias de desvio de recursos na área de transportes. Mas são coisas que fazem parte da política e cabe ao governante competente antever e saber cobrar dos seus comandados nas coalizões.