Título: Base sólida para um novo ciclo de crescimento
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 31/08/2004, Opinião, p. A-3

Os bons resultados expressos nos balanços dos 300 maiores grupos instalados no País - listados pelo Centro de Informações da Gazeta Mercantil para a revista Balanço Anual, que começou a circular ontem e será distribuída gratuitamente aos assinantes do jornal - devem constituir-se em objeto de reflexão, neste momento em que a retomada do crescimento, em fase ainda incipiente, corre o risco de se perder, ante a disposição anunciada do Banco Central de retomar a trajetória ascendente da taxa básica de juros.

Pois é impossível dissociar, dentro do universo pesquisado de 10 mil empresas, o bom desempenho das 300 maiores da melhoria do ambiente macroeconômico em que transcorreram os negócios. Entre os componentes que têm condicionado de modo determinante o desempenho das empresas nos últimos anos devem considerar-se a taxa de juros básica, elevadíssima, ao lado da estabilidade dos preços e do controle sobre a evolução das dívidas pública do Estado e externa da nação.

O pequeno alívio para as atividades produtivas propiciado pela redução gradual da taxa básica de juros no ano passado foi evocado na introdução da maioria desses balanços, a corroborar o seu papel positivo. Daí a pertinência e a atualidade da releitura dos resultados da pesquisa. Quem sabe, ela contribua para levar a autoridade monetária a enriquecer a sua análise antes de se decidir por impor freio a esse novo movimento, cronicamente recorrente nos últimos anos, de superação da estagnação econômica.

O que se destaca do resultado da pesquisa - referente a um ano marcado por acentuado declínio da taxa de juros básica - é que desde a primeira onda de impacto positivo do Plano Real nos negócios não se obtinham resultados tão expressivos. O patrimônio líquido dos 300 maiores grupos totalizou R$ 495 bilhões; as receitas líquidas, R$ 824,2 bilhões; e os lucros líquidos, R$ 66,7 bilhões. Embora as receitas tenham apresentado um crescimento modesto (5,4%) sobre o ano anterior, os lucros deram um salto espetacular de 103,01%. No exercício anterior, apresentara-se uma situação inversa, com expansão de 45,57% nas receitas e um prejuízo de 20,32%.

A taxa de crescimento do patrimônio das corporações dobrou, passando de 5,l8% em 2002 para 11,03 em 2003, tendo a rentabilidade se elevado no mesmo período de 7,5% para 11,2%, enquanto o endividamento geral manteve-se estável em 54%.

O regime de câmbio flutuante contribuiu para esse resultado, ao ensejar alívio para os grupos endividados em moeda forte, com o que puderam recuperar o patrimônio, mediante redução do endividamento e conversão da diferença em lucro contábil. Também contribuiu o crescimento das vendas externas (US$ 73 bilhões) - em especial no agronegócio -, uma elevação de 21,08% acima de 2002. Como resultado da conjunção favorável dos elementos determinantes da situação, as 300 maiores companhias apresentaram em 2003 o menor número de casos de prejuízos dos quatros anos anteriores.

Os bons resultados obtidos distribuíram-se por todos os setores. Tomadas individualmente, as empresas dos quatro setores não-financeiros - agribusiness, serviços, comércio e indústria - apresentaram desempenho semelhante ao revelado pelos números consolidados: queda da receita e crescimento dos lucros. Quanto ao lucro líquido, observa-se a recuperação da rentabilidade dos setores ligados à produção e também o aumento de sua participação no conjunto dos setores, em detrimento da do setor financeiro. Assim, a participação do setor financeiro no lucro líquido recuou de 50,23% em 2002 para 23,96% em 2003. O desempenho sofrível do setor do comércio não surpreende, ante a reconhecida retração da renda do consumidor.

Não se pode esquecer que se os bons resultados registrados em 2003 foram obtidos graças à estabilidade dos preços, é verdade também que ocorreram nas condições adversas que configuram o vezo contracionista da política do governo, expresso na combinação entre severo controle do gasto público, aumento do superávit primário e custo elevadíssimo do dinheiro.

Todos esses elementos caracterizam uma conjuntura de contenção da demanda, que reprime a oferta, mediante o desestímulo e a queda da produção ou o seu redirecionamento para o mercado externo. Ambas as situações estiveram presentes no ambiente macroeconômico do ano passado, quando o preço político da estabilidade se deu pelo equilíbrio entre a retração da oferta e da demanda.

Os resultados de 2003 revigoram as empresas para a retomada. Indaga-se se já não passou da hora de estimular a oferta e a demanda, buscando-se o equilíbrio com expansão da atividade.