Título: Esquenta o debate sobre a Turquia
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/11/2004, Internacional, p. A-10

No dia 17, bloco decide se negocia com Ancara. Para maioria na França, país é só local para férias. A proximidade do dia 17 de dezembro, quando o Conselho Europeu deverá decidir se abre negociações para a entrada da Turquia na União Européia (UE), acirrou as discussões sobre o tema na França, segunda maior economia do bloco. "Mais de 70% da população é contra a entrada dos turcos e vê o país apenas como um lugar para onde vão em férias, como a Tunísia ou o Egito, e não como parte da Europa", disse um diplomata francês. O presidente Jacques Chirac prega que Ancara tem "vocação" européia, mas tenta acalmar os ânimos ao dizer que o processo negociador será longo e que o país fará um referendo para decidir se ratifica a adesão.

Os que se opõem à integração com os turcos, no entanto, afirmam que essa promessa é um engodo. "Foi tudo decidido numa marcha furtiva, sem debate relevante com a opinião pública. No entanto, nenhuma decisão tomada sem ouvir o povo é irreversível", afirmou a professora da Fundação Nacional de Ciências Políticas (Sciences-Po), Sylvie Goulard. Ela lançou em outubro o polêmico livro "Le Grand Turc et la Republique de Venise", em que apresenta uma série de argumentos contra a entrada da Turquia na UE, que vão de aspectos políticos a geográficos, passando pela questão religiosa. "A União não se pode alargar indefinidamente. É preciso debater quais são as últimas fronteiras do projeto europeu. A fixação de limites será um grande teste da nossa maturidade política", afirmou.

A decisão do dia 17 tem de ser unânime entre os chefes de Estado e Governo dos 25 países do bloco, que em maio passado se expandiu para o Leste. Mas ainda não há um "denominador comum", disse na semana passada o ministro grego das Relações Exteriores, Giorgos Koumoutsakos, que apóia a Turquia. Chirac chegou a cogitar um "plano B", uma parceria privilegiada com os turcos, meio termo entre adesão e ruptura. Isso foi defendido também pelo ex-presidente Valéry Giscard d¿Estaing, para quem a entrada da Turquia seria "o fim da Europa".

Mas vários países, como Portugal, se manifestam contra. Há um temor de que para barrar os turcos, até a constituição européia, que precisa ser ratificada em até dois anos, esteja ameaçada. Se um país não respaldar o texto, não entrará em vigor em nenhum dos sócios. Em 2025, a Turquia terá uma população maior que a da Alemanha e, com isso, maior poder político pelas regras negociadas. Os europeus já admitem mudar a constituição, e mesmo assim usam o fato como argumento contra a entrada.

Entre os argumentos a favor da entrada dos turcos, nesse debate apaixonado, incluem ainda as antigas promessas da UE sobre a inclusão, os problemas que podem gerar no mundo muçulmano uma resposta negativa, e alguns progressos realizados pela Turquia.

Mas os franceses duvidam da capacidade da UE de incluir um país de maioria muçulmana, que no médio prazo será o mais populoso do bloco (com correspondente peso nas decisões), e que deixará a UE com fronteiras com o Iraque, Irã e Síria, com impactos na segurança. Também temem o custo econômico, estimado em ¿ 25 bilhões, ou 0,17% do PIB da UE em 2020. Além disso, apontam como entraves o desrespeito aos direitos humanos, falta de independência do Judiciário e alta ingerência militar em assuntos de Estado. O apoio dos Estados Unidos, não facilita as coisas. "Quando Bush diz que a democracia turca é exemplar, é o suficiente para eu ficar apreensiva", afirmou a empresária Julie Mars. "Respeito os turcos, mas eles não são europeus", disse a comerciante Marie Lambert.