Título: O importante é o fortalecimento do Mercosul
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Fonte: Gazeta Mercantil, 03/12/2004, Editorial, p. A-3
Numa conjuntura internacional favorável, enquanto a crise do dólar ainda não causa efeitos maléficos às economias do mundo, principalmente às dos países emergentes ou em desenvolvimento, com aumento dos juros e possível recessão, Brasil e Argentina vêm conseguindo recuperar suas economias e intensificar o comércio mútuo. E isso deverá se refletir num fortalecimento do Mercosul, uma vez que os dois países constituem as principais economias do Cone Sul.
Os produtos internos brutos (PIB) dos dois países mostram uma evidente recuperação, embora ainda não sustentável, depois de um período de estagnação, no caso do Brasil, e de difícil recessão, no da Argentina. Em 2003, apesar de não ter tido um resultado negativo de 0,2%, segundo recente revisão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que definiu uma evolução positiva de 0,5%, o crescimento brasileiro continuou insignificante, como foi durante o período do governo Fernando Henrique Cardoso. A Argentina, por sua vez, mergulhou em profunda recessão no período de 1999 a 2002. Depois de uma queda de 10,9% no PIB em 2002, no ano seguinte a economia argentina conseguiu crescer 8,8%.
Neste ano, no acumulado dos nove primeiros meses, o PIB brasileiro mostra um crescimento de 5,3%, o que leva economistas a prever um crescimento acima de 5% no final do ano, ante uma previsão oficial de 4,6%. Na Argentina, os últimos dados oficiais também revelam um forte crescimento da economia. No acumulado do primeiro semestre, em comparação com o mesmo período de 2003, o PIB cresceu 9% e é possível que o país chegue ao final do ano com um bom desempenho.
Essa situação naturalmente conduziu a um maior intercâmbio comercial entre os dois países neste ano. Os dados da balança comercial brasileira divulgados, na quarta-feira, pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mostram que, apesar de problemas localizados em relação a alguns produtos, Brasil e Argentina intensificaram os negócios.
Mesmo com a moratória da dívida externa, ou até por causa disso, segundo algumas correntes mais radicais do pensamento econômico, a Argentina está conseguindo crescer a um ritmo mais acelerado que o Brasil. E, com isso, precisa importar mais, assim como o Brasil, que no período janeiro/novembro importou 28,9% mais em relação ao mesmo período do ano passado. No acumulado de dez meses deste ano, as importações globais da Argentina cresceram 64% em relação ao mesmo período de 2003, enquanto as exportações aumentaram 15%.
Neste ano, as vendas brasileiras ao mercado argentino devem atingir US$ 7,29 bilhões, enquanto nossas importações daquele país devem ficar em torno de US$ 5,5 bilhões. Isso significa que, pela primeira vez em dez anos, o Brasil terá um superávit significativo, da ordem de US$ 1,7 bilhão. No ano passado o Brasil já havia obtido um superávit na balança comercial com o país vizinho, mas pequeno, de apenas US$ 45 milhões. Isso indica uma reversão, pois ao longo de dez anos o comércio entre os dois países sempre foi superavitário a favor da Argentina, em torno de US$ 1 bilhão ao ano.
Os produtos brasileiros invadiram o mercado argentino neste ano, a ponto de 60% dos carros e 72% das geladeiras vendidos naquele país terem origem no Brasil. Numa tentativa de proteger setores sensíveis da indústria argentina, o governo do presidente Néstor Kirchner adotou ou ameaça adotar uma série de medidas restritivas contra produtos brasileiros, como aqueles dois produtos, televisores, máquinas de lavar, calçados e têxteis. Já foram impostos limites de 50% para os automóveis brasileiros e de 21,5% para televisores fabricados na Zona Franca de Manaus.
Essas medidas foram tomadas à revelia dos acordos regionais de comércio no âmbito do Mercosul, o que está levando empresários dos vários setores considerados prejudicados, tanto do Brasil como da Argentina, a realizar negociações, com o apoio de observadores dos dois governos. Nesta semana estão reunidos em Buenos Aires empresários brasileiros e argentinos de máquinas de lavar e televisores, para estabelecer limites para o próximo ano. No caso das lavadoras, a proposta argentina em discussão é de 35% do mercado para produtos brasileiros, 11% para os de outros países e 54% para as máquinas de lavar argentinas.
As medidas adotadas, além de proteger a indústria local, procuram reduzir o déficit comercial argentino, mas tendem a acabar quando ocorrer uma recuperação das vendas da Argentina ao Brasil. Nesse meio tempo, é importante negociar com bom senso, para evitar o enfraquecimento do Mercosul.
kicker: A Argentina está conseguindo crescer a um ritmo mais acelerado que o Brasil. E, com isso, precisa importar mais