Título: Faltam vocações empresariais
Autor: Aristoteles Drummond
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/12/2004, Editorial, p. A-3
Não é apenas a Igreja que sofre com a queda nas vocações sacerdotais. Percebe-se que a economia brasileira começa a padecer do mesmo mal, com a evasão do espírito empresarial, do empreendedorismo, na sua mocidade. Hoje, a meta ambicionada pelos jovens, especialmente nas classes médias, é conseguir um emprego público ou privado em grande empresa. Tradicionalmente, essa faixa da sociedade era reveladora de homens que venceram na indústria, no comércio e na agricultura. O Brasil, que figura entre as nações de maior mobilidade social do mundo, com parte majoritária de suas grandes fortunas na primeira geração, não pode prescindir da presença da sua juventude no processo de crescimento econômico, que depende de novas empresas e novos projetos, da criatividade, coragem e arrojo típicos da mocidade. Essa preocupante falta de vocação para a criação de novas empresas voltadas para a produção teria origem nas imensas dificuldades burocráticas para constituir e manter uma empresa, o peso fiscal e a ameaça permanente da corrupção, do achaque. O número de firmas criadas diminui e o das que fecham aumenta de forma assustadora. A economia nacional cresce com base nas grandes corporações, multinacionais ou não, que acabam por se tornarem as únicas tomadoras de recursos de entidades de fomento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A justiça social, a democratização do capital, a melhor distribuição da renda e do emprego passam por uma grande rede de pequenas e médias empresas, inclusive no campo. A convocação da juventude a empreender precisa ir muito além dos programas de aconselhamento do tipo adotado pelo Sebrae, que cumpre um papel anulado pela realidade fiscal, dos juros altos, da falta de financiamento e da insensibilidade da fiscalização, além do visível estrangulamento na infra-estrutura. As entidades de classe empresarial em todo o País perderam o ímpeto reivindicatório. Convidam autoridades para a exposição do que pensam e desejam fazer, esquecidos de que a missão da representação classista é justamente a de clamar por instrumentos para que se possa empreender, desenvolver, abrir frentes de emprego, gerar produção. Essas entidades também estão entregues ao idealismo e ao patriotismo de seus antigos membros, com dificuldades no recrutamento de novas gerações dispostas a esse voluntariado, do qual surgiram grandes expressões da vida nacional. Urge um pacote de medidas estimuladoras de novas empresas, de mudança na percepção de nossa juventude de que empreender aqui envolve riscos maiores do que em outras sociedades modernas. A questão ambiental precisa deixar de ser um fantasma; a ameaça de invasões, um fator inibidor dos que desejam investir na agricultura; a CLT, instrumento contra o emprego. Enfim, precisa-se impedir que a violência urbana estimule a fuga de nossos jovens para o exterior. Fenômeno recente, que precisa ser estudado, é a quantidade de jovens das classes médias que não apenas buscam completar seus estudos nos Estados Unidos ou na Europa, mas que permanecem longe do Brasil, procurando colocações em outros países. A desilusão com o atraso, com a perda da qualidade de vida, com a falta de instrumentos modernos, dinâmicos e eficazes para que cada um desenvolva suas vocações para a vida profissional é o principal motivo. A sucessão de escândalos envolvendo políticos e gestores públicos e a perda de controle diante da desordem urbana assustam o jovem mais esclarecido e informado. Já não é mais a mão-de-obra não-qualificada que foge para nações desenvolvidas em busca de oportunidades; são a classe média e o jovem de nível universitário e de pós-graduação que não querem permanecer no Brasil. Isso é grave. O BNDES precisa se abrir para a média empresa, com linhas voltadas para novos projetos ou expansão dos existentes e não ser cogitado a toda hora para a compra de ações existentes, desperdiçando recursos preciosos para o desenvolvimento a que se propõe. No governo passado, o País viu bilhões de reais serem destinados a descruzamento de ações entre controladores de grandes corporações, o que não gerou um emprego, um tostão de impostos ou colocou uma máquina sequer para funcionar. E volta-se a citar o BNDES como fonte de recursos para famílias que querem realizar seu patrimônio acionário em dinheiro sonante, como se fosse um banco a serviço dos milionários e não dos empreendedores. É o Brasil que precisa crescer, empregar, fazer circular a riqueza, aumentar sua produção. Não será concentrando mais o poder econômico que vamos avançar no plano social e no político. Não podemos assistir, impassíveis, à perda da esperança e do entusiasmo da juventude brasileira ordeira e empreendedora.
kicker: É preciso impedir que a violência urbana estimule a fuga de jovens para o exterior