Título: Modernização de usinas pode gerar 8 mil MW
Autor: Hugo Marques
Fonte: Gazeta Mercantil, 31/08/2004, Energia, p. A-10

O Brasil pode aumentar a capacidade de produção de energia elétrica em 10% sem construir novas hidrelétricas. É o que mostra um estudo do WWF-Brasil sobre a "repotenciação" das atuais usinas hidrelétricas, que aumenta a capacidade de produção de energia. A repotenciação, diz o estudo, custa mais barato que a construção de novas usinas, evita danos ao meio ambiente e diminui os conflitos sociais por famílias atingidas pelas barragens.

O estudo traz uma lista de 67 usinas hidrelétricas do País com mais de 20 anos de operação, que podem ser submetidas à repotenciação, com baixo custo em relação aos investimentos para a construção de novas usinas. Deste total, 31 usinas têm mais de 40 anos de operação e apresentariam perdas de eficiência na produção de energia. A repotenciação de uma hidrelétrica, que pode exigir a troca de geradores e turbinas, é feita entre três e seis meses, com retorno de capital em quatro anos. Na construção de uma nova usina, o retorno do capital investido ocorre em 30 anos.

"A repotenciação permite ganhos em produção acima de 10%, que podem chegar a 20%", diz o professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP) Célio Bermann, coordenador do estudo. O estudo do WWF-Brasil mostra que é passível de repotenciação um universo de 34 mil megawatts (MW) em todo o país, somente nas usinas com mais de 20 anos. Com isso, o País poderia aumentar sua capacidade de produção em 8 mil MW. "Com a repotenciação, é possível aumentar a capacidade de produção de energia no mesmo nível que uma usina hidrelétrica equivalente a dois terços de Itaipu, que tem 12,6 mil MW de capacidade instalada", diz Bermann.

O estudo mostra que o custo da chamada repotenciação pesada, que exige a troca de equipamentos, é de US$ 699 por kW, enquanto a construção de uma usina hidrelétrica exige investimento de US$ 2,1 mil por kW. A repotenciação leve - que muitas vezes exige apenas o isolamento do gerador para evitar a perda de energia pelo calor - pode custar US$ 100 por kW. A repotenciação das 67 usinas hidrelétricas com mais de 20 anos custaria um total de US$ 1,8 bilhão (R$ 5,4 bilhões), segundo o estudo. "A repotenciação exige investimentos muito baixos. E é importante discutir o modelo de produção de energia que interessa à sociedade civil", diz a assessora de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Ludmila Caminha.

Segundo o estudo, vários tipos de problemas ambientais e sociais poderiam ser evitados. As usinas hidrelétricas inundaram 34 mil km² de terras - correspondente a 80% do território do Rio de Janeiro - e expulsaram 200 mil famílias de ribeirinhos, cerca de 1 milhão de pessoas. Também afetam a vida de milhões de pescadores e ribeirinhos que vivem rio abaixo dos reservatórios. A perda da biodiversidade é irreversível e tem efeito sobre várias espécies de peixes.

O investimento em repotenciação no ano de 2002 foi de R$ 12,2 milhões. É a vigésima parte do que países como os EUA investem por ano. Bermann acha que isso significa falta mudança de mentalidade e de decisão política. Ele lembra que a grande maioria das usinas são do governo. "Eu esperava deste governo uma percepção maior", diz.

Atrás da opção pela repotenciação, porém, há um componente político. Segundo o estudo, as obras civis representam 60% dos custos de uma nova hidrelétrica. No Brasil, as grandes empreiteiras de obras civis são alguns dos principais financiadores de campanhas políticas. A repotenciação estimula o desenvolvimento da indústria eletroeletrônica. "Para uma empreiteira de obra civil é melhor construir novas usinas que repotenciar", diz Bermann.

kicker: A repotenciação das 67 usinas hidrelétricas com mais de 20 anos custaria cerca de US$ 1,8 bilhão