Título: Vinhos brasileiros batem recorde de premiação
Autor: Regina Neves
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/12/2004, Mídia & Marketing, p. A-14

Desde janeiro, são 277 medalhas em concursos internacionais, o maior nível histórico; as conquistas são marketing para a exportação. As vinícolas brasileiras bateram recorde este ano em volume de premiações obtidas nos principais concursos internacionais da categoria. Ao todo foram 277 medalhas, somando as 83 medalhas de ouro, 147 de prata, 44 de bronze e três diplomas de menção honrosa, conquistados em alguns dos mais prestigiosos concursos do mundo, como o Vinalies Internationales, realizado na França, o italiano Vinitaly e o San Francisco International Wine Competition, entre dezenas deles. Em concursos como Effervescents du Monde, Chardonnay du Monde e Muscats du Monde, o espumante brasileiro, sempre um destaque na produção nacional, ficou num honroso segundo lugar perdendo apenas para a França, terra do champagne.

Desde que começaram a participar de concursos internacionais na década de 90, organizadas pela ABE (Associação Brasileira de Enologia), as vinícolas nacionais já obtiveram mais de 900 premiações internacionais. " São prêmios importantes dentro da estratégia de marketing do vinho brasileiro para conquistar o mercado externo", diz. Antonio Czarnobay vice-presidente da ABE, e o primeiro não europeu a ser eleito 1 vice-presidente da União Internacional dos Enólogos (UIOE).

"O fato de estar bem colocado no ranking de países premiados em concursos internacionais é o melhor caminho para tornar o vinho brasileiro conhecido", garante Czarnobay, que tem uma larga experiência nesses concursos, inclusive como jurado. Czarnobay é também o enólogo chefe da Cooperativa Vinícola Aurora, vinícola brasileira líder em prêmios internacionais com 143 medalhas conquistadas desde 1998. Este ano a Aurora conquistou 22 medalhas, seis delas de ouro. A Aurora exporta seus vinhos para França, Alemanha, Estados Unidos, Japão, Finlândia, Canadá e Dinamarca entre outros.

As vendas para o mercado externo são uma preocupação relativamente recente das vinícolas brasileiras, mas que está ganhando corpo rapidamente. Seis das maiores vinícolas nacionais - Casa De Lantier, Casa Valduga, Cooperativa Aurora, Lovara, Miolo e Salton -, por exemplo, se organizaram no Consórcio de Exportação e Promoção Internacional do Vinho Brasileiro da Ibravin ( Instituto Brasileiro do Vinho) com a marca Wines From Brazil para alcançar o mercado internacional.

Este ano, com o apoio da Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex), participaram pela primeira vez de uma feira internacional, o Sial, realizado na França, levando exatamente seus vinhos com medalhas. Além disso, a Apex vai investir recursos da ordem de R$ 2,78 milhões em ações de promoção comercial, com foco nos EUA, Rússia e norte da Europa. A meta é chegar ao final de 2006 exportando mais de US$ 455 mil, um acréscimo de 88% com relação a 2003. Até 2006, a perspectiva é de que pelo menos outras 12 empresas estejam associadas.

Para Czarnobay, o vinho nacional vive, tecnicamente, um dos seus melhores momentos. "Já alcançamos um nível de desenvolvimento tecnológico alto e estamos cada vez mais trabalhando a qualidade da matéria-prima o que é fundamental no processo de vinificação", diz. "Os concursos internacionais ajudam na divulgação desta realidade".

O próprio Brasil já promove o seu Concurso Internacional de Vinhos que teve este ano sua segunda edição. Promovido pela ABE, no inicio deste mês, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, o concurso reuniu 401 amostras de 13 países e contou com 50 degustadores, provenientes de 14 países. "A presença desses especialistas também é positiva para o vinho brasileiro, já que o País não tem tradição como produtor. Com o concurso, eles puderam verificar como a produção brasileira avançou", diz Czarnobay.

Mesmo colecionando e divulgando os prêmios obtidos, algumas vinícolas brasileiras, assim como vários enófilos e especialistas ligados ao mundo do vinho, não deixam de colocar ressalvas quanto a esses concursos internacionais. Há dúvidas sobre os sistemas de seleção dos jurados, sobre o grande número de amostras de vinhos a serem analisados num curto espaço de tempo e pelo fato do próprio produtor enviar as garrafas que vão concorrer o que poderia gerar fraudes.

"Todos os concursos de que o Brasil participa têm o aval da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV) e da União Internacional de Enólogos (UIE), as duas principais entidades do setor, reconhecidas por sua seriedade" , defende Czarnobay.

"Os vinhos que analisamos para o Guia do Vinho Brasileiro que a ABS-SP (Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo) edita anualmente são comprados diretamente no mercado. Queremos ter certeza de estar analisando o mesmo vinho que o consumidor encontra", diz o diretor executivo da entidade, Arthur Piccolomini de Azevedo, um entusiasta que mantém seu próprio site sobre vinhos, o www.artwine.com.br.

Azevedo se diz um "inimigo visceral de concursos que analisam centenas de amostras de vinho num fim de semana", embora reconheça que a participação das vinícolas brasileiras tem sido positiva para o vinho nacional. Para ele, o vinho brasileiro vem passando por um processo de melhoria visível e o País "pode se orgulhar de elaborar bons vinhos". Azevedo vai além ao dizer que "as vinícolas brasileiras estão investindo em tecnologia, em novas variedades e em novas áreas como o Vale do São Francisco e a região de Bagé, no Rio Grande do Sul, na divisa com o Uruguai que são muito promissoras".

Para Azevedo, "prêmios internacionais fazem parte do marketing das vinícolas em todos os países produtores, mas o importante mesmo, se quisermos conquistar respeito no mundo do vinho , é investir na qualidade, afinal sucesso antes de trabalho só no dicionário", critica. "Para mim o prêmio para o produtor é o reconhecimento do consumidor e as vinícolas estão conquistando isto no Brasil. O único entrave tem sido o preço, alto por causa do excesso de impostos", conclui.

"Os prêmios internacionais são importantes, mas o reconhecimento interno é que alavanca as vendas", concorda Angelo Salton, da Vinícola Salton que, com 32 medalhas, dez delas de ouro, foi a campeã brasileira em concursos internacionais este ano. "O público brasileiro confia nos seus especialistas. Toda vez que algum colunista especializado elogia um vinho da Salton, o interesse do público aumenta", atesta. "A credibilidade dos enófilos brasileiros é grande e eles são a melhor estratégia de marketing".

A Salton é uma das vinícolas que participam do projeto de exportação "Wines from Brazil" e, mesmo com ressalvas, Angelo não descarta a presença constante nos concursos internacionais. O Salton Volpi Chardonnay 2002 e 2003, que custa R$ 22 para o consumidor final, e o espumante Salton Brut Reserva Ouro, ao preço de R$ 26, são seus campeões em prêmios internacionais. Mas o Talento, o vinho da Salton que está sendo considerado o melhor vinho nacional, passa longe dos certames.

"O Talento está em outra categoria e não vou correr riscos desnecessários com ele", afirma Ângelo. "O Talento já ganhou reconhecimento de especialistas como o sommelier Enrico Bernardo, de Milão, que ganhou o titulo de melhor sommelier do mundo na 11 edição do World Best Sommelier Award, promovido pela S. Pellegrino e a Moët & Chandon", enfatiza.

"O Talento também já teve o reconhecimento de entidades como a ABS e dos colunistas especializados", enumera. "Os concursos divulgam a marca e são importantes. São válidos como estratégia de marketing para construir a marca, mas o que importa mesmo é a avaliação do mercado nacional", completa.

Para Fabio Miolo, diretor da Vinícola Miolo, que conquistou 22 medalhas internacionais este ano, cinco delas de ouro, a participação em concursos internacionais é importante tanto para o mercado externo (a vinícola também faz parte do Wines from Brazil) quanto para o mercado doméstico. "Temos a facilidade de contar com o aval da ABE que cuida da organização e identifica os principais concursos e temos que estar presentes".

A Casa Valduga, com 27 medalhas conquistadas este ano, a última delas a única medalha de Ouro ganha pelo Brasil no concurso internacional Effervescents du Monde 2004, em Dijon, na França, com seu espumante Estações Blush 2004, que ocorreu com 336 amostras de espumantes provenientes de 24 países, acredita na força dos concursos também no mercado interno. Para Juciane Casagrande, gerente comercial da Casa Valduga, a premiação no exterior "é um referencial, dá credibilidade e sem dúvida facilita o contato com o cliente em potencial". Entre os vinhos premiados da Casa Valduga são campeões de medalhas o espumante Brut e o Merlot Premium, ambos na faixa dos R$ 30 a R$ 35 para o consumidor final.

O Brasil produziu em 2004 mais de 43 milhões de litros de vinhos de uvas viníferas (viti viníferas). Mas a produção enfrenta problemas com a concorrência de vinhos importados baratos, especialmente da Argentina. "Viemos de dois anos difíceis, enfrentando uma concorrência desleal", reclama Fabio Miolo, que estima um crescimento da Vinícola Miolo entre 3 a 5 %. este ano

"O mercado está sendo invadido por argentinos de péssima qualidade, que custa R$ 3,00 ou R$ 4,00. Isto é ruim para o vinho brasileiro e a médio prazo ruim até para o vinho argentino de qualidade", diz Ângelo Salton. "Foi o que aconteceu com o vinho alemão, que perdeu o mercado brasileiro depois das importações de vinhos da famosa "garrafa azul", mas de qualidade duvidosa, e nunca mais se recuperou", resume.

kicker: Aurora é a vinícola mais premiada do País, com 143 medalhas desde 1998

kicker2: Produtores reclamam da invasão de vinhos baratos comprados da Argentina