Título: Investimento insuficiente ou desafio de produtividade?
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Fonte: Gazeta Mercantil, 07/12/2004, Opinião, p. A-3

A parte referente ao Brasil do novo relatório do Banco Mundial (Bird), "Economic Growth in the 1990s: Learning from a Decade of Reform", apresentado sexta-feira na Universidade de São Paulo (USP) pelo vice-presidente da instituição, Vinod Thomas, conclui que investimento - mesmo em infra-estrutura - é importante, mas não é "condição suficiente" para o crescimento. O essencial é melhorar a produtividade que, para o banco, "importa mais que investimento". No Brasil, não é usual no debate econômico a discussão do tema produtividade. Até na universidade o assunto não desperta grande atenção: há artigos isolados, e o estudo mais abrangente, por setor de atividade, data dos anos 90.

O Bird tocou o dedo na ferida. O organismo internacional não nega que o País precisa de mais investimento, apenas argumenta que consegui-los é tarefa difícil em razão da elevada relação dívida/PIB e, pela própria meta de superávit primário. O desafio, portanto, é: com a capacidade de investimentos que temos - que atingiu 20,1% na Formação Bruta de Capital Fixo no último trimestre - como romper os nossos conhecidos "gargalos" de produção? O economista Antonio Barros de Castro, da nova diretoria do BNDES, analisando o quadro microeconômico, garantiu estar "otimista" quanto às inovações tecnológicas e de processo nas empresas brasileiras, assegurando também que o capital humano, no Brasil, "melhorou significativamente nos últimos anos". Castro, porém, cobrou um "salto de investimentos" ao lembrar do "apetite" dos brasileiros para o consumo de manufaturas. O novo perfil da pauta de importações confirma tais cuidados. Por exemplo, o aumento de 83% na compra de aço em novembro, comparado com o mesmo mês de 2003, está longe de ser um caso isolado, como mostram as compras de borracha, fibras sintéticas, alumínio... As altas revelam gargalos produtivos que atingem, em especial, setores de capital mais intensivo, que exigem escala, dificuldade intransponível com as atuais taxas de juro.

Como o investimento para vencer estes gargalos não será imediato em tantos setores, discutir produtividade é tão necessário quanto classificar e definir prioridades para superar obstáculos no tema. Nesse quadro, a definição de objetivos é essencial; por exemplo, em informática, tentar competir com a Índia na comercialização de softwares é difícil. Porém, investir em nicho de excelência já consolidado no Brasil como o de software "embarcado", usado em celulares, é usar com maior competitividade a capacidade instalada. Em outras palavras, no momento, é essencial dar prioridade à produção e não à prestação de serviço. No entanto, os critérios da política industrial, nessa área, tomaram outros rumos.

O setor privado tem feito a sua parte no desafio da busca de produtividade. Em 2003, por exemplo, o mercado de automação industrial movimentou R$ 1,721 bilhão, segundo os números da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Para este ano a previsão é de R$ 2,014 bilhões. Incentivos à automação tem forte correlação com ganhos de produtividade. É óbvio que esse setor depende de acesso à tecnologia de ponta. Exatamente nesse ponto o apoio do Estado claudica.

Na mesma sexta-feira em que Vinod Thomas cobrava o "desafio da produtividade" na USP, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionava a Lei de Inovação definida como passo essencial da nova política industrial e de tecnologia. Mediante maior integração do setor público e privado de produção de ciência e tecnologia (C&T), o governo pretende elevar, em 2007, os investimentos na área para 2% do PIB, quando foram 1,31% no ano passado e 1,26% neste ano. Para 2005 está projetado 1,36% do PIB. No discurso, o presidente garantiu que 2005 "será o ano da política industrial", De fato, porém, a Lei de Inovação só sairá do papel, só estará "completa" no jargão administrativo, se e quando, o governo conseguir concluir o programa de incentivo às empresas que investem em C&T, hipótese difícil de executar no horizonte imediato. Ao assinar a Lei de Inovação Lula defendeu o fim dos subsídios dos países ricos e maior ousadia brasileira no exterior deixando para a conclusão do discurso, palavras enigmáticas: "Quando as coisas começam a melhorar não faltam aqueles que querem gastar tudo de uma vez."

Apesar do alerta do Banco Mundial, apesar do reconhecimento oficial da importância de C&T para o desenvolvimento, a atual definição de prioridades da nossa realidade orçamentária ainda não sugere que o desafio da produtividade será contemplado, com a urgência que deveria.