Título: O agronegócio dos tabacos
Autor: José Henrique Nunes Barreto
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/12/2004, Opinião, p. A-3

O agronegócio de tabacos, atividade econômica regular desde o século XVII no Brasil, ultimamente sofre muito com a grande cruzada sanitária da sociedade contra o setor fumageiro, que existe em decorrência de inegáveis efeitos nocivos em pessoas que têm o hábito de fumar. Apesar dessa situação, a cadeia produtiva do fumo tem potencial concreto de crescimento, o que não tem acontecido em razão de também sofrer muito com outros fatores que foram impostos ao longo do desenvolvimento do País.

A cadeia produtiva inicia-se a partir do plantio da folha, que requer cuidados especiais por parte do agricultor que a planta e colhe, iniciando o seu beneficiamento ainda dentro da propriedade rural; o processo segue com a indústria beneficiadora, que a classifica e a re-processa. O terceiro estágio é a fabricação propriamente dita do cigarro ou charuto; e o produto final entra na cadeia de comercialização para atingir o consumidor.

Essa é uma importante cadeia produtiva em todo o mundo. Ela produz cerca de 5,3 trilhões de cigarros/ano, o equivalente ao mínimo de US$ 300 bilhões/ano, que pode ser considerado o "PIB" da cadeia produtiva a preços de mercado (mais da metade do PIB brasileiro).

A distribuição regional do consumo é: 41% (Ásia), 11% (EUA), 18% (Europa, incluindo a antiga Europa Oriental) e 28% para o resto do mundo. O consumo vem decrescendo à taxa de 1% ao ano nos EUA, mantém-se constante na Europa e aumenta a 1%-2% ao ano na Ásia.

No comércio internacional, as exportações mundiais da cadeia são a segunda maior do agronegócio mundial: US$ 20,5 bilhões em tabaco manufaturado; US$ 5,5 bilhões em folhas; US$ 1 bilhão em charutos e cigarrilhas; e US$ 12,5 bilhões em cigarros (fonte: Faostat, 2002).

O Brasil, apesar de sua capacidade instalada de produção e seu potencial, é fornecedor quase nulo do mercado internacional quando se trata do produto industrializado, embora seja o primeiro em exportações de fumo em folha.

Esse desequilíbrio é decorrente de fatores como as barreiras comerciais (cotas e tarifas) aos produtos industrializados nos mercados dos Estados Unidos e União Européia (escalada tarifária) e a insensibilidade das multinacionais instaladas no País, que vendem os seus produtos internacionalmente. Os EUA têm seu mercado aberto para quase todos os países produtores, menos para o bloco do Mercosul, que paga em média 20% de tarifas sobre cigarros e limitações com cotas de 82.000 ton. para fumo manufaturado.

Recentemente foi retirada da pauta de negociação União Européia x Mercosul a oferta de alíquota zero para produtos do capítulo 24, devido ao posicionamento uruguaio de condicionar sua aceitação à retirada por parte do Brasil do imposto de exportação de 150% para os países do Mercosul, América Latina e Caribe. Essa é uma medida claramente inócua do governo brasileiro, já que não se conseguiu êxito no controle do contrabando.

Com tal atitude, o Brasil descumpre o acordo internacional e contribui para o enfraquecimento do Mercosul, além de prejudicar o acesso dos pequenos fabricantes brasileiros ao mercado da União Européia.

A produção de cigarros no Brasil é da ordem de 100 bilhões de unidades/ano, divididas entre Souza Cruz (80%), Phillp Morris (12%) e demais treze pequenas fábricas (8%). O consumo local vem decrescendo em decorrência das campanhas antitabagistas.

O gigantesco mercado internacional, entretanto, parcialmente acessível ao produto brasileiro, poderia contribuir muito para a geração de renda, emprego e divisas através das pequenas empresas que têm know-how e produtos de qualidade suficiente para competir. A pequena empresa brasileira, porém, tem de resolver alguns problemas de competitividade internos vitais para sua continuidade, antes mesmo de se instalar lá fora.

Dentre os problemas de competitividade do setor estão os vultosos incentivos fiscais para favorecer a implantação de fábricas das gigantes multinacionais; tratamento fiscal federal discriminatório contra produtores de cigarros de menor valor; contrabando e falsificação; controle da produção e do acesso a matérias-primas via maciços financiamentos a agricultores; privilégios em esquemas de comercialização e controle de pontos-de-venda.

Os caminhos para a expansão das pequenas empresas requerem uma visão desenvolvimentista por parte dos órgãos ligados a comércio exterior, tributação, polícia de fronteiras, controle e regulamentação de concorrência. O momento exige políticas públicas pautadas em embasamento ético que reconheçam as dificuldades para o desenvolvimento dos pequenos empreendedores de cada setor em face da atuação globalizada dos gigantes transnacionais.

Os dados acima dizem respeito especificamente ao nosso setor, mas é preciso refletir sobre eles, pois esse mesmo mal afeta todos os setores que lutam contra os "Golias" da economia.

kicker: Primeiro em exportações de fumo em folha, País não tem presença no produto acabado