Título: Iedi contesta diagnóstico de Meirelles
Autor: NIvaldo Manzano
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/12/2004, NAcional, p. A-5

O crédito dirigido é efeito e não causa dos spreads elevados, mostra estudo a ser divulgado em breve. Um estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) - "Spread e taxas de juros no Brasil", a ser divulgado em breve - afirma que "não adianta dar voltas se quisermos de fato resolver o problema do spread e da taxa de juros cobradas no crédito no Brasil: a solução, complexa, é possível desde que o governo se disponha a enfrentá-lo mediante ações coordenadas".

O anúncio da elaboração do estudo ocorre três semanas depois que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, endossando uma proposta corrente no mercado financeiro, passou a afirmar publicamente que a causa dos spreads elevados é o crédito dirigido. O "desvio" de recursos captados pelos bancos para operações com taxas mais baixas seria responsável pela elevação do spread e das taxas de juros das operações não dirigidas - as que permanecem "livres". A eliminação do crédito dirigido para as áreas rural e habitacional - e a transferência para o sistema bancário dos recursos do BNDES, provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que hoje financiam os investimentos -, seria precondição para a solução do problema. A divergência sobre a questão esteve associada às críticas feitas pelo ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, à atuação do Banco Central, que levaram à sua demissão na segunda quinzena de novembro.

No estudo, o Iedi adverte que medidas precipitadas para eliminar o crédito dirigido e reduzir ainda que parcialmente os recursos do BNDES, além de não contribuir para baixar os spreads e as taxas do crédito, poderão piorar a situação do financiamento dos investimentos em uma economia que não dispõe de mercado de capitais desenvolvido e na qual o crédito bancário, além de caro, é restrito a operações de maior prazo.

Entre os itens que formam o spread bancário, destacam-se os custos com o recolhimento compulsório, impostos, inadimplência dos tomadores de crédito e custo administrativo. "No Brasil todos esses itens, além do lucro das instituições financeiras, assumem valores excessivos", afirma o Iedi. "O baixo volume de crédito, os altos impostos sobre a intermediação bancária e os exagerados compulsórios tornam cara a intermediação financeira. O FMI apontou a falta de uma maior concorrência no setor bancário como um fator a mais que explica o nível do spread no Brasil".

Para resolver o problema, o Iedi propõe várias medidas, da alçada do governo. Entre estas, sugere reduzir o nível "muito alto" dos recolhimentos compulsórios sobre depósitos (atualmente de 45% no caso dos depósitos à vista); promover a concorrência no setor; adotar iniciativas para a redução de custos, incluindo políticas para ampliar o volume de crédito e a escala de operação das instituições financeiras; utilizar o potencial que os bancos públicos têm em despertar e fomentar a concorrência no setor; e reduzir os impostos sobre a intermediação bancária, entre outras. O Iedi adverte, porém, que as medidas perderão força se forem adotadas isoladamente e sem coordenação. Para a sua eficácia, precisariam ser implementadas em conjunto, de forma coordenada, por uma política de governo. Só assim será possível reduzir os spreads e as taxas do crédito no Brasil".

Uma outra linha de ação sugerida - "muito relevante" - consiste em conceder um estímulo muito maior do que vem sendo conferido até agora à intermediação não-bancária e ao desenvolvimento do mercado de capitais. O Iedi lembra que "em outras experiências a alternativa do financiamento não-bancário constituiu um poderoso instrumento de equilíbrio entre credores e devedores e de delimitação do poder oligopólico do sistema bancário, papéis que também podem ser cumpridos no Brasil".

Na expectativa do Iedi, com o impulso do crédito e do mercado de capitais resultante da redução das taxas do crédito e das políticas de incentivo sugeridas, o próprio sistema de crédito, de forma natural e progressiva, irá suprir o financiamento em segmentos que hoje necessitam de crédito dirigido. "Esta será uma decorrência do processo de redução dos spreads e das taxas finais do crédito, não a condição para que ele se desenvolva".

Sem fazer menção ao "diagnóstico-proposta de Meirelles, o Iedi o critica duramente, ao afirmar que a sugestão "coloca a carroça à frente dos bois". Ou seja, condiciona a redução do spread à eliminação do crédito dirigido, sem admitir que este é conseqüência e não causa da alta taxa de juros e de outras deformações do sistema de crédito no Brasil. Por isso, voltar as baterias contra o crédito direcionado é "perder precioso tempo e desperdiçar uma oportunidade para perseguir a solução do problema".

A tese endossada por Meirelles não encontra fundamento nas experiências de outros países. "A afirmação de que o direcionamento não é uma prática `atual¿ ou `moderna¿ e que os governos de outros países não agem para assegurar ou fomentar o crédito não corresponde aos fatos. Estamos falando dos US$ 21 bilhões que o orçamento norte-americano destina somente para amparar investimentos de empresas de menor porte e empresas em fase de start-up, ou dos US$ 10,4 bilhões que o correspondente alemão do BNDES (o KfW) destinou em 2003 para pequenas e médias empresas ou ainda dos US 31,7 bilhões destinados por essa agência para construção, habitação e infra-estrutura e dos US$ 18,5 bilhões de empréstimos do Korea Development Bank.

Depois de simular o efeito da passagem de recursos do BNDES para os bancos, o estudo conclui que o custo da empreitada é alto e os potenciais ganhos, diminutos. Na hipótese de que sobre os recursos de longo prazo do BNDES os bancos viessem a cobrar um dos mais baixos spreads entre suas operações - o spread sobre as operações flutuantes, que em outubro foi de 10,3% ao ano -, e considerando que absorvessem todos os recursos já aplicados diretamente pelo BNDES (saldo de R$ 45,7 bilhões em outubro deste ano), o spread nas operações com pessoas jurídicas cairia dos atuais 13,5% ao ano para 12,7% ao ano - uma queda muito pequena. Isso faria com que o spread médio global das operações com recursos livres passasse de 28,1% ao ano para 27,6% ao ano e a taxa de juros média do crédito, incluído o crédito para pessoas jurídicas e pessoas físicas, diminuísse de 45,6% ao ano para 45,1% ao ano - quase nada". Do outro lado, prossegue o estudo, o custo do financiamento do investimento aumentaria absurdamente, para 27,6% ao ano, partindo-se de um nível atual de 16,4%, ao ano, o que deprimiria o investimento.

"Nessas hipóteses e considerando-se que o lucro bancário corresponde a 23,4% do spread total dos bancos, estimamos que a transferência de recursos do BNDES para o sistema bancário resultaria em transferência de recursos das empresas para os bancos no montante de R$ 1,1 bilhão anualmente".