Título: Agricultor protesta contra fim do plantio de fumo
Autor: Neila Baldi
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/12/2004, Agribusiness, p. B-12

Adesão do Brasil à convenção para o controle do tabaco ameaça setor que movimenta R$ 13 bilhões ao ano. Uma disputa entre a saúde e a economia foi aberta ontem, em Santa Cruz do Sul (RS), capital mundial da industrialização do fumo. De um lado, defensores da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De outro, os produtores rurais que temem perder sua principal fonte de renda. Lideranças dos dois segmentos e autoridades políticas estiveram presentes na cidade para audiência pública promovida pela Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Ao final do encontro, o relator do projeto de lei que ratifica a convenção, o senador Fernando Bezerra (PTB/RN), propôs que seja criada uma Comissão Mista, composta por representantes do Executivo, Legislativo e sociedade civil, para se discutir mais profundamente o tema. O Brasil tem três meses para ratificar o acordo e, assim, fazer parte do grupo que irá regulamentar o tema mundialmente. Do contrário, apenas seguirá as regras internacionais, sem poder de decisão.

O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco - com 500 mil toneladas - e o segundo maior produtor do mundo, atrás da China, com 890 mil toneladas previstas para a safra 2004/05. A maior parte da produção nacional está concentrada no Sul do País, onde são cultivados 96% da área de fumo e o Rio Grande do Sul é o principal produtor, com metade da safra. A maior parte do fumo é produzida em uma única região, denominada Vale do Rio Pardo, a 150 quilômetros de Porto Alegre, que congrega 22 municípios. É ali que estão 11 indústrias de tabaco e duas fabricantes de cigarreiro. Quase um terço da população, de 428 mil habitantes, trabalha no cultivo de fumo.

Convenção mundial

A convenção foi aprovada por 192 países no ano passado e, até o momento, ratificada por 40 nações. A proposta do documento é restringir o consumo e a produção de tabaco no mundo. O acordo foi aprovado em maio pela Câmara dos Deputados e precisa somente da anuência dos senadores para entrar em vigor. Mas as lideranças rurais no Brasil não querem que o País subscreva o documento antes dos seus principais concorrentes internacionais: China e Estados Unidos. Entre os maiores produtores mundiais, apenas a Índia ratificou o acordo. Segundo Bezerra, uma decisão será tomada até o início do ano que vem. ""Nós vamos encontrar um meio termo entre a saúde e a questão econômica", afirma o senador. Para o presidente da comissão, Eduardo Suplicy (PT/SP), dessa forma haverá tempo hábil para que o Brasil tome uma decisão.

O que está em jogo é um setor que movimenta R$ 13 bilhões ao ano (dos quais R$ 4,5 bilhões em exportações) e gera empregos diretos e indiretos para 2,4 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, é sabido que o fumo é responsável pela morte de 200 mil cidadãos no Brasil devido às doenças provocadas pelo consumo de cigarro. "Por que assinar se outros grandes produtores ainda não o fizeram? Ao contrário de outros países, o governo brasileiro são subsidia a produção e ainda arrecada R$ 6 bilhões por ano com a indústria do tabaco", diz o deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP/RS). Opinião semelhante tem o vice-governador do estado, Antônio Hohlfeldt, que acredita que o País só deva ratificar o acordo quando as regras estiverem definidas, inclusive os recursos para a reconversão da cultura. "Não somos contra o acordo, mas não queremos tomar uma decisão precipitada", diz Cláudio Henn, presidente do Sindicato da Indústria do Fumo (Sindifumo).

Pequenas propriedades

O sistema de produção de fumo no Brasil é semelhante ao da avicultura e suinocultura, ou seja, por meio de integração entre as indústrias e os agricultores. A maior parte, 36% deles, é de pequenos produtores, que cultivam em média 10 hectares por família.

As empresas oferecem semente, adubo, agrotóxico, financiamento e todo o pacote tecnológico para a produção do tabaco. O agricultor paga o financiamento em produto. As empresas também investem, anualmente, perto de US$ 20 milhões em pesquisas para o aumento da produtividade do fumo e a diminuição do uso de agrotóxicos.

O fumo chegou ao Rio Grande do Sul com os alemães, em 1825. As primeiras indústrias surgiram no Vale do Rio Pardo há cerca de 150 anos. Por isso, o cultivo do tabaco é uma tradição que passa de geração para geração. O produtor Adão Ademar de Queiroz, 59 anos, trabalha na lavoura de fumo desde criança; seu pai e seu avô também tinham sido fumicultores. No início, segundo ele, o cultivo era mais artesanal, com a secagem da folha feita naturalmente, pendurada no galpão de armazenagem. Há cerca de 50 anos, quando as indústrias começaram a investir na produção, os agricultores passaram a usar mais tecnologia e estufa para a secagem e classificação das folhas, que custa R$ 7 mil.

Queiroz planta fumo em uma área de 2,5 hectares onde colheu 4,5 toneladas no ano passado. A safra foi vendida R$ 13 mil, dos quais R$ 5 mil foram gastos na produção. "É do fumo que tiro meu sustento", afirma. O agricultor planta ainda milho e feijão e tem duas vacas. "O resto é só para o gasto", diz, explicando que a produção extra fumo é utilizada para a subsistência. Seguindo a tradição, seus dois filhos também plantam fumo em seis hectares.

"Não temos outra alternativa de cultura. O terreno é acidentado e não podemos usar maquinário", afirma Hainsi Gralow, presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). Além disso, segundo ele, enquanto um hectare de fumo rende até R$ 8 mil ao agricultor, a mesma área com feijão ou milho renderia R$ 1,2 mil.

Área crescente

Se de um lado o setor negocia a adesão do Brasil à convenção para controle do tabaco, de outro prevê aumento do plantio para os próximos anos. Segundo o Sindifumo, o Brasil deve aumentar a área cultivada com tabaco para 450 mil hectares e a produção para 900 mil toneladas. O aumento da produção deve ser absorvido pelas exportações, que podem chegar a 600 mil toneladas.

Os gaúchos brigam para continuar plantando fumo e lutam para que restringir as importações de arroz, trigo e vinho do Mercosul. Entre as reivindicações está a extinção do Circuito Pecuário Sul para que o Rio Grande do Sul possa comercializar seus produtos e até abater seus animais no Uruguai. As lideranças rurais querem que a Comissão Mista do Mercosul no Congresso Nacional possa vir a discutir o tema.