Título: Lula propõe projeto de integração
Autor: Gisele Teixeira e Claudia Mancini
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/12/2004, Internacional, p. A-9

Presidente brasileiro participa hoje da III reunião dos presidentes da região, em Cuzco. A III Reunião de presidentes da América do Sul, que começa hoje em Cuzco (Peru), será marcada pelo anúncio de um dos mais antigos sonhos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: um projeto de integração do continente assentado no livre comércio e na integração física da região.

Batizado de "Comunidade Sul-Americana de Nações", o bloco será formado pela comunidade Andina (CAN), o Mercosul, Chile, Guiana e Suriname, e nasce com a pretensão de ser um dos maiores do mundo. São 17 milhões de quilômetros quadrados, 361 milhões de habitantes, exportações anuais de mais de US$ 180 bilhões de dólares e um Produto Interno Bruto (PIB) de quase US$ 1 trilhão. Resta saber, no entanto, esse projeto se sairá do papel.

O presidente Lula, que mencionou o projeto ainda em seu discurso de posse, em janeiro de 2003, vai fazer força para que a iniciativa seja bem sucedida. De acordo com o Itamaraty, o Brasil deve sediar, já no primeiro semestre de 2005, a primeira reunião de cúpula da Comunidade e ainda a Conferência sobre Segurança na América do Sul, em julho, em Fortaleza. A proposta, no entanto, surge em momento delicado para o governo, que recebe críticas do setor privado sobre sua política externa e também em relação ao Mercosul, que anda cada vez mais capenga.

Ausências

O presidente argentino Néstor Kirchner, aliás, alegou problemas de saúde e não deve estar presente ao encontro. Ele foi desaconselhado por seus médicos a ir a Cuzco, por não suportar a altitude elevada da ex-capital do Império Inca, que fica a 3.400 metros acima do nível do mar. O presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, também não irá comparecer.

Para o diretor do Departamento da América do Sul, Ministro Ênio Cordeiro, as ausências não prejudicarão o encontro. O mesmo vale, segundo ele, para as divergências entre Brasil e Argentina no âmbito do Mercosul. "As diferenças só aparecem quando há comércio, ou quando este está se intensificando. Basta ver Estados Unidos e Canadá, que possuem a relação comercial mais intensa do mundo", comparou Cordeiro.

A base comercial da Comunidade Sul-Americana de Nações começou a tomar corpo em outubro passado, quando o Mercosul e a Comunidade Andina assinaram um acordo de livre comércio para ser implementado de forma gradual ao longo da próxima década.

"Mas é muito mais do que isso", ressaltou Cordeiro.

Segundo ele, esta será uma integração com outros dois pilares. Um político e outro físico, como infra-estrutura de transportes, energia e comunicações.

Durante a reunião de Cuzco, os presidentes Lula e do Peru, Toledo, reforçarão, por exemplo, o compromisso dos dois países para tirar do papel a Rodovia Interoceânica, que ligará Inãpari, na fronteira com o Estado do Acre, aos portos peruanos de Ilo e Matarani, no Pacífico. A rodovia está orçada em US$ 700 milhões.

Por meio do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), serão financiados US$ 417 milhões para a exportação de serviços e bens brasileiros. O Brasil está também financiando a construção da ponte entre Iñapari e Assis Brasil, na fronteira entre os dois países. Ainda no plano bilateral, poderão ser assinados dois Memorandos de Entendimento na área de Comunicações, sobre cooperação em matéria de serviços de roaming e sobre remessas postais.

Salvaguardas

A reunião entre Brasil e Argentina para tratar de eventual aplicação de salvaguardas no Mercosul, que é uma demanda da Argentina, deveria ocorrer ontem mas não aconteceu. Não há consenso em Brasília sobre o assunto.

O governo reconhece que existem problemas dentro do Mercosul. Segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a economia argentina sofreu um baque muito grande de desindustrialização, que foi maior do que o do Brasil.

Para o ministro, a presença do Brasil no mercado argentino não deve ser uma política de terra arrasada. Mas também é preciso aproveitar vantagens comparativas que países do Mercosul têm. Segundo ele, não há nada definido ainda sobre a questão da salvaguarda. É preciso discutir, por exemplo, se é melhor um mecanismo "ad hoc", que é o atual de negociações setoriais, ou um mecanismo definitivo.

Amorim acredita que, no médio prazo, "Brasil e Argentina têm de pensar em uma política industrial comum voltada para o futuro e para o mercado internacional".