Título: Inversão estratégica na pauta de exportações
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Fonte: Gazeta Mercantil, 06/12/2004, Editorial, p. A-3
Em novembro, o saldo da balança comercial foi de US$ 2,077 bilhões. Nesse mês, o Brasil comprou do exterior US$ 6,082, um recorde. Em outubro, importamos US$ 5,838 bilhões, ultrapassando com folga o teto máximo anterior - de US$ 5,783 bilhões, obtido em julho de 1997. Em relação a novembro do ano passado, o valor representa um crescimento de 42,7%. As exportações também avançaram: vendemos US$ 8,159 bilhões em novembro, 36,4% a mais na comparação com o mesmo mês do ano passado. Rechear o trenó do Papai Noel com itens importados explica parte desses gastos. Os contêineres que chegaram aos portos brasileiros nos dois últimos meses não continham apenas complementos às pequenas lâmpadas chinesas que fazem a felicidade natalina dos zeladores de prédio.
A análise do perfil das importações brasileiras encerra algumas relevantes lições. Ivan Ramalho, secretário do Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, resumiu: "Mais da metade das importações é de matérias-primas e insumos vinculados ao crescimento da produção industrial." Em relação a novembro do ano passado, as importações de bens de capital cresceram 28,1% (totalizaram US$ 1,203 bilhão), as de matérias-primas e intermediários 39% e a de bens de consumo, 43%. Combustíveis e lubrificantes avançaram 83,6% e produtos siderúrgicos 81,5%, ambos na mesma base de comparação. Necessidade de mais matéria-prima e mais máquinas é óbvio sinal de expansão.
O perfil "investidor" da pauta de importação brasileira não é dado isolado. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) revelou que nos primeiros dez meses do ano o consumo de máquinas e equipamentos aumentou 18,5% em relação ao ano passado. Newton de Mello, presidente da entidade, considera "saudável" a participação de 44% dos bens de capital importados. O faturamento do setor, entre janeiro e outubro, foi 28% maior que o do ano passado.
O conjunto de sinais de expansão explica porque o IBGE detectou aumento de 20,1% na Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos) no último trimestre. A eloqüência desses dados gerou curiosa aproximação entre as "escolas" de interpretação da realidade econômica. O economista Antonio Barros de Castro, voz forte na nova diretoria do BNDES, disse que as condições de oferta da economia são "bem mais flexíveis do que se supõe", justificando seu otimismo tanto pela estabilidade macroeconômica como pelos avanços nas inovações tecnológicas nas empresas, gerados pela sadia convivência com o mundo externo. Por sua vez, o professor Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, afirmou que o "PIB potencial (o espaço que a economia tem para crescer) que era de 3% ou 4%, agora subirá para 5% ou 6%" provocado, segundo ele, pelo forte crescimento do comércio exterior. Os dois "intérpretes" da economia brasileira notaram que a soma das importações e exportações alcançou, nos últimos quatro anos, aumento de 44%! Em 2000, importações e exportações somadas, representavam US$ 111 bilhões; neste ano devem ultrapassar US$ 161 bilhões.
Há uma mudança de percepção quanto ao papel do comércio exterior na economia brasileira. Ivan Ramalho admitiu a possibilidade do câmbio estar pressionando as importações, um fato que já preocupou até o presidente da República. O secretário do Comércio Exterior também lembrou: "Há variação importante nos valores dos produtos do comércio internacional, com queda nos preços dos básicos e aumento nos dos manufaturados e semimanufaturados." Ou seja, há uma inversão estratégica à vista no comércio internacional: menos commodities e mais manufaturados. Taxa de câmbio estacionada no terceiro subsolo não acompanha essa inversão. Desde o primeiro trimestre, quando os sinais de crescimento já eram bem visíveis, os empresários brasileiros aceleraram as compras de bens de capital, internas e externas, que estão agora recebendo. A ajuda que o câmbio precisava dar a essa atualização tecnológica já encerrou seu papel. Se o modelo exportador pretende seguir avançando, é preciso iniciar novo momento de apreciação no câmbio. O ciclo virtuoso da economia brasileira solidificou-se com o aumento do fluxo comercial. Não convém, portanto, que antigos dogmas impeçam intervenções para valorizar a relação dólar/real. Como já fez no passado recente, o corpo técnico do Banco Central conhece muito bem o caminho das pedras para esse tipo de operação, sem comunicar o distinto público que a está realizando.
kicker: Extrema desvalorização do dólar ameaça ciclo virtuoso da economia brasileira baseado no constante crescimento do fluxo comercial