Título: Volatilidade pode continuar em 2005
Autor: Odair Abate - Economista
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/12/2004, Editorial, p. A-3

No início de 2004 a maioria dos agentes econômicos tinha uma percepção bastante favorável em relação à economia brasileira, e os preços dos ativos refletiam o otimismo de então. O Índice Bovespa atingiu o pico de 24,4 mil pontos em fevereiro, ante 10,5 mil pontos 12 meses antes; o real, à época, chegou a R$ 2,7810 por dólar, valorizando-se perto de 5% no período; e o risco país, medido pelo Embi, cedeu a 396 pontos, patamar bem distante dos 2,44 mil pontos do pior momento de 2002. Apesar desse quadro geral, bastaram alguns sinais de alerta no front internacional (estaria o FED, nos EUA, behind the curve? A China estaria se encaminhando para um hard landing?) para que o mercado implementasse um forte ajuste nos preços dos ativos, dando como justificativa o rol de pendências estruturais que precisavam ser superadas por aqui. O argumento: uma alta acentuada dos juros nos EUA e/ou uma redução acelerada no ritmo do crescimento chinês afetariam o fluxo de capitais para países como o Brasil, deixando à mostra as distorções ainda existentes em nossa economia. Sem reformas estruturais, teríamos grandes dificuldades para viabilizar um crescimento sustentado a longo prazo e os mercados locais continuariam muito expostos às mudanças de humor dos investidores. Com isso, em maio de 2004 a bolsa, em seu pior momento no ano, cedeu a 17,6 mil pontos, o dólar chegou a R$ 3,211 e o risco Brasil subiu a 805 pontos. O que se enxergava de positivo em termos de economia brasileira, até então, se diluiu velozmente diante da combinação de preços elevados dos ativos e potenciais riscos externos. O cenário se alterou de maneira significativa nesta virada de ano? É inegável que os números econômicos têm tido uma evolução superior (e, em vários casos, muito superior) às expectativas iniciais da maior parte dos analistas. E que tal desempenho, associado à alta moderada dos juros nos EUA, às notícias mais tranqüilas vindas da China e aos upgrades que o País recebeu (S&P e Moody¿s, em setembro), explica por que os preços dos ativos voltaram para perto dos seus melhores níveis históricos. Ainda que no caminho a alta acentuada e acelerada das cotações do petróleo surgisse como uma inquietação a mais. Em meados de novembro, a bolsa atingiu seu recorde (superando os 25 mil pontos), o dólar cedeu a R$ 2,73 e o risco Brasil voltou para perto dos 400 pontos. Nesse contexto, surge a pergunta: estariam os mercados internos mais bem preparados do que estavam há um ano para enfrentar eventuais turbulências externas? É evidente que numa economia globalizada não é possível ficar imune às oscilações dos mercados mundiais. Mas o que se questiona é quão suscetível estaria a economia brasileira a eventual alteração de humores lá fora. A resposta é obviamente muito difícil de ser encontrada. Mas alguns pontos devem ser lembrados: 1) Os riscos externos atuais são praticamente os mesmos observados ao longo de 2004, ainda que hoje os sinais sejam menos inquietantes para a questão chinesa e até mesmo para o petróleo (apesar do preço elevado) do que para a perspectiva de alta dos juros nos EUA (a despeito do gradualismo atual) e da desvalorização do dólar, em função do elevadíssimo déficit nas contas correntes norte-americanas. 2) É inegável que o cenário econômico interno está melhor do que há um ano. O nível de atividade é maior, a taxa de desemprego está em queda, os números fiscais são melhores, as contas externas seguem muito favoráveis e o BC continua a implementar uma política monetária séria para fins de meta inflacionária. 3) Os preços dos ativos no mercado interno em níveis recordes ou muito próximos a eles, com destaque para a bolsa de valores e para a valorização do real. 4) O Brasil avançou menos do que deveria (ou era desejado pelos mercados) no campo das reformas estruturais nos últimos 12 meses. Percebe-se, portanto, que os resultados econômicos positivos - que devem inclusive viabilizar a não-prorrogação do acordo com o FMI - são absolutamente necessários. No entanto, persiste o receio de que sejam insuficientes para enfrentar isoladamente uma eventual deterioração no cenário internacional, ainda que hoje a sensação de risco seja menor do que há alguns meses. Ou seja, a ausência de avanços mais substantivos em questões estruturais abre espaço para períodos mais voláteis, semelhantes aos da primeira metade de 2004, mesmo que possamos esperar, a priori, que os mercados tenham mais um desempenho positivo em 2005. A taxa de juros, superados os maiores riscos de inflação, deve declinar, a bolsa de valores tem boas perspectivas e a taxa de câmbio tende a acompanhar a variação da inflação. Tudo isso, porém, deve vir recheado com períodos de maior volatilidade. O mercado é assim, mas avanços em itens decisivos como a Lei de Falências e as PPPs, por exemplo, seriam bem-vindos para deixar a economia brasileira e os mercados mais robustos.

kicker: Avanços como a Lei das Falências e as PPPs deixariam a economia mais robusta