Título: Cotas e pessoas com deficiência
Autor: Ana Maria Barbosa
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/12/2004, Opinião, p. A-3

As empresas queixam-se da falta de capacitação dos candidatos. O mercado está crescendo, e na mesma proporção aumenta a demanda por profissionais cada vez mais qualificados. Sobram cargos com exigências que vão além da profissionalização de grande parte da mão-de-obra disponível no Brasil, mas a qualificação profissional adequada no País, que hoje garante as melhores vagas, é privilégio de poucos, e as oportunidades ficam ainda mais escassas quando o candidato em questão é uma pessoa com deficiência (PCD).

Apesar de termos no Brasil uma legislação que tenta garantir que PCDs tenham cada vez mais oportunidades no mercado de trabalho, a realidade não é tão simples assim. Empresas com 100 ou mais funcionários deveriam dedicar de 2% a 5% de suas vagas a essas pessoas. A legislação garante ainda - artigo 59 da Lei Federal n 9.394/96 - a educação especial para o trabalho, tanto em instituições públicas quanto em instituições privadas.

O Ministério Público tem agido fortemente no sentido de obrigar as empresas a cumprirem a lei. O resultado foi um aumento da busca desses profissionais pelas empresas e eles buscando uma vaga usando o recurso das cotas. Utilizando a lógica, isso deveria funcionar. Então, o que não funciona? O argumento que tem prevalecido para a dificuldade de contratação de pessoas com deficiência é a falta de capacitação delas. E isso é só a ponta do iceberg.

Não devemos esquecer que quando falamos em qualificação profissional estamos falando de todo um sistema educacional despreparado para trabalhar com a diversidade. Significa que as pessoas com deficiência já vêm, desde o ensino fundamental, pouco e mal atendidas na sua formação escolar. Essa "herança" será levada para sua vida profissional. A empresa, por sua vez, "herda" a desinformação sobre a capacidade desses profissionais, variando conforme o tipo de deficiência (há uma clara preferência pela deficiência física "leve", por "não cadeirantes", termos usados com freqüência na divulgação de vagas específicas). Portanto, todo o sistema tem de ser repensado.

A Delegacia Regional do Trabalho (DRT) em São Paulo prometeu intensificar a fiscalização do cumprimento da Lei n 8.213, que garante as cotas para pessoas com deficiência. Para estarem de acordo com a legislação, as empresas se preparam como podem, uma vez que podem esperar muito pouco do governo. Uma tendência são os programas de capacitação e integração das PCDs dentro da própria empresa, pois cumprem um papel importante na preparação desses profissionais até mesmo para que aumentem suas chances em futuras vagas às quais venham a concorrer. Um bom exemplo é o Programa de Empregabilidade para Pessoas com Deficiência da Serasa, que oferece treinamento para PCDs a fim de que elas se tornem efetivamente competitivas no mercado de trabalho. Além de serem remunerados durante o processo, os portadores de deficiência recebem assistência médica, odontológica, vale-refeição, vale-transporte e seguro de vida. Programas como esse, além de contribuírem com a qualificação profissional dessas pessoas, estarão dando a chance de serem descobertos talentos muitas vezes desperdiçados.