Título: Salvaguardas e subsídios no GATS
Autor: Ricardo Camargo Mendes
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/12/2004, Opinião, p. A-3

Salvaguardas e subsídios no GATS

8 de Dezembro de 2004 - Desde a Rodada Uruguai, os representantes dos países membros do sistema multilateral de comércio tentam chegar a um consenso sobre como algumas disciplinas utilizadas no comércio de bens poderiam ser aplicadas ao comércio de serviços. Duas dessas regras que vêm sendo amplamente discutidas são as salvaguardas emergenciais e os subsídios. Mesmo sem um entendimento mútuo, essas questões fazem parte do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) - artigos X e XV, respectivamente - e a implementação delas vem sendo adiada desde 1998, ou seja, três anos após a entrada em vigor do Acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC).

No contexto da Rodada Doha, a discussão sobre essas e outras regras (regulação doméstica, artigo VI do GATS, por exemplo), ainda indefinidas, será paralela às negociações de melhorias de ofertas, podendo inclusive haver trade-offs entre regras e acesso a mercados. Vários países preferem não avançar em concessões antes que as regras (sobretudo de salvaguardas) sejam esclarecidas e acordadas. Por que a definição dessas regras é tão complicada?

No comércio de bens, as salvaguardas emergenciais são aplicadas a um setor ou produto específico quando ocorre: (a) um surto de importações em decorrência da liberalização comercial; e (b) um "prejuízo" ou "ameaça" às indústrias ou produtores nacionais.

Caso um país consiga comprovar tanto o item (a) como o item (b) por meio de estudos econômicos, fica permitida a suspensão temporária dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT), conforme estabelece o artigo XIX desse acordo (deve-se também observar o "Princípio da Nação Mais Favorecida", segundo o qual as concessões feitas a um país-membro são válidas para todos os demais, e a medida deve ter caráter temporário).

Vários problemas impedem que esses conceitos sejam reproduzidos para o comércio de serviços:

1) A inexistência de dados estatísticos precisos sobre as transações internacionais de serviços dificultaria a comprovação de (a) e (b).

2) Se os compromissos para consumo no exterior (Modo 2) fossem suspensos, como seria limitada a saída de pessoas com esse propósito do país?

3) Para o estabelecimento de presença comercial (Modo 3), deveria ser temporariamente suspenso o direito de uma empresa estrangeira se instalar no país ou vender seus serviços depois de ter se instalado? A própria definição do que é uma indústria doméstica entraria em jogo.

4) É possível reter temporariamente os rendimentos de trabalhadores estrangeiros que executaram serviços em determinado país (Modo 4)?

5) Como levar em conta as particularidades de cada categoria (e cada um dos modos de prestação) de serviços, que vão desde serviços médicos até serviços financeiros, passando por construção, telecomunicações, computação, entre vários outros?

Alguns especialistas dizem que a única solução para esses problemas seria setorializar as negociações de salvaguardas, acrescentando uma quarta coluna ao quadro de ofertas do GATS, atualmente restrito às colunas "Acesso a mercados", "Tratamento nacional" e "Compromissos adicionais".

Se não fossem suficientes as dificuldades em torno das discussões sobre salvaguardas, os negociadores estão ainda mais longe de alcançar qualquer tipo de definição sobre as regras de subsídios, ainda que a maior parte dos países já tenha incluído restrições (horizontais ou setoriais) aos subsídios concedidos às empresas domésticas na coluna de tratamento nacional de seus compromissos. No entanto, resta aos negociadores acordarem sobre uma definição clara de subsídios ao comércio de serviços, para então classificá-los seguindo o modelo das caixas, estabelecido no Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias.

Em maior ou menor grau, a alocação de recursos públicos para a promoção do turismo, desenvolvimento de pesquisa e tecnologia, educação, atração de investimentos externos são medidas passíveis de serem interpretadas como subsídios ao comércio internacional de serviços.

Dada a dificuldade dos países em avançar em suas ofertas durante a Rodada Doha frente aos compromissos previamente assumidos, seria uma grande conquista para os prestadores de serviços de todo o mundo que os negociadores chegassem ao fim de 2005 ao menos com algum tipo de entendimento em relação às regras de salvaguardas e subsídios para serviços.

kicker: Vários países preferem não avançar em concessões antes de acertar as regras

kicker2: Recursos públicos na promoção do turismo podem ser interpretados como subsídios