Título: Inadimplentes políticos podem perder direitos
Autor: Daniel Pereira e Gilmara Santos
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/12/2004, Legislação, p. A-8

O estado de São Paulo deve mais de R$ 7 bilhões para 500 mil pessoas e a prefeitura paulistana outros R$ 1,5 bilhão. Está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, desde o fim de novembro, a mais nova aposta de magistrados e trabalhadores para obrigar os governantes a quitar os chamados precatórios alimentícios -dívidas decorrentes de decisão judicial definitiva e que envolvem salários, proventos e pensões não pagos. Trata-se de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado Celso Russomanno (PP/SP).

O texto considera ato de improbidade administrativa a inadimplência e estabelece como punição ao presidente da República, a governadores e a prefeitos a perda de direitos políticos por oito anos. Visa a acabar com uma situação que recebeu a alcunha, adotada inclusive por juízes, de "calote oficial". "Só no estado de São Paulo faleceram, antes de terem recebido seus precatórios de natureza alimentícia, vinte e cinco mil aposentados e pensionistas", diz Russomanno na justificação da PEC.

O dado foi levantado pelo Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares (Madeca). "O governo precisa dar o exemplo. Como quer cobrar se não paga suas dívidas", acrescenta o parlamentar. De acordo com o especialista em direito público Marcelo Gatti Reis Lobo, do Dabul & Reis Lobo Advogados Associados, apenas o estado de São Paulo deve cerca de R$ 7 bilhões em precatórios alimentícios, dado confirmado pela procuradoria-geral paulista. A prefeitura paulistana deveria outros R$ 1,5 bilhão.

Segundo o Madeca, os credores do estado e da prefeitura de São Paulo são, respectivamente, 500 mil e 35 mil pessoas. Nos dois casos, 70% têm mais de 65 anos, o que garante por lei tratamento especial. "Os governantes ficam inertes porque não há absolutamente nenhuma sanção nem ao administrador nem ao ente público", afirma Reis Lobo, que representa mais de 10 mil pessoas à espera de receber precatórios alimentícios. Ações ajuizadas por eles levaram o Tribunal de Justiça de São Paulo a decretar, no mês passado, intervenção na capital do estado.

"Como tem de ser realizada pelo governador, que também é devedor, nada acontecerá. Hoje, temos um grande desrespeito à Constituição Federal, ao Judiciário e aos credores", complementa o advogado. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Vantuil Abdala, também é favorável à proposta apresentada pelo deputado Celso Russomanno. "Nós precisamos de uma medida enérgica", afirma. Segundo o ministro, 80% dos precatórios na Justiça do Trabalho estão vencidos e não foram pagos, sendo a maior parte deles de natureza alimentícia.

Invenção brasileira

"Temos de moralizar a situação para que os credores não deixem de acreditar na Justiça." O antecessor de Abdala na presidência do TST tinha a mesma opinião. "Precatório é uma invenção brasileira para proteger caloteiros", declarou o ministro Francisco Fausto no fim do ano passado, pouco antes da aposentadoria. O problema é que o próprio Poder Judiciário contribui para o quadro de inadimplência. Para Reis Lobo, outras medidas têm de ser adotadas para garantir o pagamento de precatórios alimentícios, até porque as regras previstas na PEC só valerão daqui para frente. E não darão cabo do passivo existente.

No campo das leis, ele sugere a aprovação do seqüestro de receita do ente público em caso de falta de pagamento, regra válida atualmente para os precatórios comuns. Mas também aconselha a negociação entre as partes, admitindo inclusive a possibilidade de os credores abrirem mão de parte dos valores devidos e aceitarem o parcelamento das dívidas como forma de viabilizar um acordo. Negociações já teriam sido realizadas com sucesso no estado de Minas Gerais.

"Falta vontade política porque não existe sanção jurídica", declara Reis Lobo. Ele lembra que a inadimplência é a mãe de um mercado "pernicioso", no qual aposentados e pensionistas vendem seus precatórios a empresas, que usam os créditos para pagar dívidas com o governo. "Eles pagam entre 10% e 20% do valor. É um absurdo porque estão ganhando sem ter feito nada", comenta o presidente do Madeca, Felippo Scolari. "Isso ocorre porque os governantes não pagam os valores dentro de um prazo razoável e como as pessoas dependem do dinheiro acabam vendendo por um valor abaixo do correto", complementa Felippo Scolari. A existência de tal mercado também recebeu críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, durante palestra realizada em meados deste ano em São Paulo.