Título: Carlos Lessa e o BNDES
Autor: Newton de Mello
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/12/2004, Opinião, p. A3

O Brasil não pode se industrializar só com máquinas importadas. Neste momento, em que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) muda de comando, cabe a nós, produtores de máquinas e equipamentos do Brasil, ressaltar com toda ênfase que a gestão do professor Carlos Lessa teve méritos inegáveis, apesar de eventuais falhas operacionais que comprometeram, em alguns instantes, a fluidez dos financiamentos. Sob a direção do professor, contudo, o banco passou a ver o interesse nacional sob a ótica do interesse da geração de empregos no Brasil, da preservação da tecnologia nacional e dos reflexos sociais de cada financiamento e de cada projeto apoiado.

Alguns fatos e posicionamentos colocam a gestão do professor Lessa como um marco de lucidez. Nessa lista de atitudes estão a intransigente manutenção do índice de nacionalização de 60% sobre todos os equipamentos que viessem a ser financiados; o reconhecimento de que o País perde autonomia e independência sem uma indústria forte de máquinas e equipamentos; a inteligência com que percebia que o fenômeno da terceirização industrial - e o conseqüente apoio que o banco deveria dar às micro e pequenas empresas - tinha imensa relevância social. Além disso, via com clareza que nunca o Brasil poderia se industrializar satisfatoriamente somente com máquinas e equipamentos importados.

A ele não era necessário explicar que, sem a produção de máquinas e equipamentos no Brasil, a indústria teria expressão insignificante. Isso porque, se nos últimos quatro anos e nove meses o Brasil consumiu US$ 41,6 bilhões de máquinas nacionais e, além disso, exportou US$ 20,6 bilhões, a indústria local de bens de capital mecânicos colaborou com um resultado positivo de US$ 62,1 bilhões. Ora, em setembro de 2004 as reservas internacionais brasileiras somavam apenas US$ 49,5 bilhões no período. Sem a receita das exportações de máquinas, as reservas teriam caído para US$ 28,9 bilhões. Qual parque de máquinas teria sido importado com apenas esses parcos recursos? Também não era necessário explicar isso ao professor Lessa.

Uma das suas citações preferidas era aquela atribuída ao gaúcho João Neves, um dos revolucionários de 1930, que, tendo amarrado seu cavalo no obelisco da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, afirmou que, sem uma indústria de máquinas própria, o Brasil nunca seria um grande país.

Ainda tinha a percepção de que apenas as pequenas e médias empresas têm a capacidade de diminuir o desemprego e de tirar nossa juventude das ruas e de atividades indignas.

Por isso insurgia-se contra o patamar atual da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje entre 9% e 10% ao ano. O professor Lessa acreditava que o governo tinha meios de sustentar uma redução drástica da TJLP para algo ao redor de 6% e, por isso, manifestou-se indignado quando economistas de outras áreas do governo e representantes do mercado de capitais insinuaram que a taxa baixa promovia a elevação da taxa Selic.

Como o Brasil poderá um dia resolver seus gravíssimos problemas sociais se continuar estimulando a entrada de capitais externos especulativos que acorrem em grandes volumes atraídos pelas desproporcionais remunerações dos títulos públicos? Infelizmente, o professor Lessa foi injustamente acusado de ser o arauto de um nacionalismo xenófobo e retrógrado. Pelo contrário, todos os projetos importantes com reais aportes de capitais externos tiveram todo o apoio do banco. Assegurar-se que tais projetos tivessem interesse nacional, gerassem empregos no País, trouxessem tecnologia nova não nos parece xenofobia ou qualquer evidência de retrocesso. Se isso era nacionalismo, foi um bom nacionalismo. Temos certeza de que o BNDES, sob comando de seu novo presidente, o também professor Guido Mantega, não deixará tombadas as bandeiras que Carlos Lessa levantou.

kicker: Alguns posicionamentos colocam a gestão de Lessa como um marco de lucidez