Título: Agroindústria assume compromissos sociais
Autor: Ângelo Castelo Branco
Fonte: Gazeta Mercantil, 31/08/2004, Relatório, p. 5

Parcerias não exigem, necessariamente, um forte investimento financeiro, segundo analistas. O professor Pedro Robério, da equipe que contribuiu para o diagnóstico econômico de Alagoas, destaca que num passado recente houve uma ruptura entre o poder público e a iniciativa privada que trouxe graves problemas para o estado. "Os dois se auto abandonaram, cada um foi para o seu lado e a sociedade captou esse rompimento. Na realidade, os dois só entendiam parceria com recursos financeiros. Hoje, já se entende que uma parceria não significa, necessariamente, um aporte significativo de recursos", explica Robério.

De acordo com ele, essas relações começam a mudar para melhor. "Pela primeira vez, estamos começando a ver o governo procurando o setor sucroalcooleiro, que já participa de alguns colegiados neste momento de formulação de políticas públicas. À convite do governo do estado, hoje integramos os conselhos de bacias hídricas e temos uma participação forte no Instituto de Proteção ao Meio Ambiente", comemora.

Essa convergência começa a apontar para bons resultados. A agroindústria canavieira já dá o braço ao governo em algumas frentes como meio ambiente e programas sociais, à exemplo do Fome Zero, com a oportunidade de aproveitamento das terras das usinas, no período de entressafra, para o plantio de feijão para a população carente. Robério destaca que essa diversificação sempre foi praticada pelos empresários do setor, embora de forma não sistematizada. Hoje, isso começa a ganhar uma forma mais sistêmica, até pela participação do setor na vida econômica e social do estado. Em vez de ser um ato eventual do empresário, já existe o encaminhamento de um consorciamento de produção de alimento dentro da área de cana-de-açúcar para a subsistência dos familiares dos trabalhadores agrícolas.

Aproveitamento da entressafra

Esse trabalho, ainda não está disseminado em todas as usinas, mas já está sendo encaminhado no sentido de transformar o que era espontâneo num trabalho de parceria dentro do conceito do Fome Zero. Consiste em aproveitar o tempo que a cana leva para crescer e entrelaçar as palhas (oito meses) para plantar e colher feijão, cujo ciclo é de três meses, aproveitando toda a tecnologia da cana, como adubo e irrigação. A primeira safra já está sendo colhida.

O grande problema, segundo Robério, é evitar que esse programa se transforme em excesso de produção sem que o governo tenha instrumentos que garantam o aproveitamento, sem que isso se transforme na depreciação do preço para agricultor tradicional de feijão. "O que nós queremos garantir com os governos estadual e federal é que esse produto vá para a mesa das famílias carentes sem causar uma nova camada de desempregados entre os agricultores. Precisa ter um sistema intermediário e interligado que desloque o excedente de um município para outro, de uma localidade para outra, ou para merenda escolar, ou para o hospital público", defende Robério.

Proteção ambiental

Numa outra frente, de proteção e preservação ao meio ambiente, a base é um trabalho já realizado pelas usinas. De acordo com Pedro Robério, todas as unidades de Alagoas têm, hoje, um programa de manutenção de suas reservas naturais e de recomposição das áreas que foram degradadas. "Cada uma é responsável pelos seus recursos naturais, incluindo matas ciliares (localizadas às margens de córregos e rios) e nascentes, existentes na sua área de ação e isso significa não deixar degradar, não deixar serem invadidas, protegê-las, fiscalizá-las e vigiá-las".

Segundo ele, o programa já está em funcionamento e será reforçado com uma ação articulada com a secretaria executiva de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Já há conversas sobre a orientação que a secretaria pode dar num trabalho mais ofensivo de identificação do sistema hidrológico. "Resumindo, estamos aumentando a nossa participação nesse campo, contribuindo para melhorar a oferta de alimentos alternativos em Alagoas; já o fazemos nessa área de proteção da água e do meio ambiente, porque na hora que garantirmos a proteção dessas bacias os municípios também serão beneficiados e eles não têm cultura para fazer isso. Nós temos condutores de satélites muito grandes, um programa fantástico com a secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, com o nosso custo financeiro, com o custo do setor sucroalcooleiro. O passo mais imediato é essa integração do Fome Zero. A partir daí estamos estudando onde é que podemos mapear melhor as questões de saúde e educação, onde é que a gente pode atuar melhor de forma convergente com o governo", explica Pedro Robério.

A parceria pode acontecer também na questão da energia. Segundo ele, já se começa a perceber sinais de interesse que não existiam na época em que o setor começou a gerar energia, e que pode se concretizar dependendo das normas setoriais que vêm por aí. Hoje, existe potencial, tem energia sobrando, mas o sistema não permite que ela chegue ao consumidor.

Um fator importante que ele também destaca é que todas as usinas alagoanas estão engajadas no processo de erradicação do trabalho infantil. Cerca de 20, das 27 unidades, já conseguiram o selo e as outras estão em processo de obtenção. Isso significa dizer que a erradicação do trabalho infantil, além da exigência legal, é também com um processo de conscientização. As crianças da Zona da Mata canavieira, por exemplo, já são direcionadas para escola. "Essa relação está sendo resgatada agora pela convergência da nova ordem de consciência social do empresário, com o conhecimento da realidade do pólo de desenvolvimento pelo poder público", diz Robério.

Saídas para o desenvolvimento

O primeiro passo apontado pelos estudiosos alagoanos e já adotado pelos setores econômicos para a retomada do crescimento e do desenvolvimento do estado é o planejamento. Um segundo ponto, é a busca de parcerias e da interligação entre setores para impedir perdas e tentar recuperar rapidamente as antigas posições favoráveis.

Olhando a partir da década 1970, Robério cita perdas expressivas para Alagoas, como o pólo metal mecânico (Fives Lile) e pólo cloroquímico, que era a grande vocação do estado, a bacia leiteira e o pólo cerâmico de Satuba. "O que cresceu e sobreviveu foi o setor sucroalcooleiro, porque tinha uma relação muito direta com o governo federal. Tudo o que dependeu do governo estadual foi se acabando", afirma. Eles demonstram que Alagoas pode resgatar o pólo cerâmico e transformá-lo em eixo de desenvolvimento. "Uma das coisas a fazer é pensar que um dos insumos que o setor precisa, a energia, pode ser ofertada utilizando o gás que passa em frente à Cerâmica Alagoas em direção ao porto de Suape, em Pernambuco. Precisamos interligar a nossa oferta de gás com os setores produtivos, como seria o caso da cerâmica", defende.

Uma outra demanda apontada está na melhoria da qualidade dos serviços, sobretudo para o turismo, que é considerado, pelo professor Edmilson Veras, um outro importante eixo de desenvolvimento do estado, ao lado do setor sucroalcooleiro. Mas para isso, observa ele, é preciso todo um movimento, com engajamento multi-setorial, fazendo um investimento na melhoria interna para aumentar a taxa de crescimento de ocupação dos hotéis, por exemplo.

Por outro lado, impulsionando a geração de emprego, renda e produção de alimentos, e ainda elevando mais pontos para o turismo, ele elege a despoluição das lagoas como uma saída de extrema importância para o estado. "Aquilo é um potencial imenso de produção de peixe. E quando você vê o conjunto das lagoas com o mar, observa um complexo onde tem produção de alimentos (peixes e crustáceos), lazer e turismo. Qualquer país que tivesse um complexo "lagunar" como esse o transformaria em uma das maiores fontes de renda que se pode ter. Não precisava de indústria poluidora por perto, porque esse complexo sozinho tem capacidade", avalia Edmilson.

Por fim, ele aponta ainda a necessidade de se criar estratégias para reduzir a vulnerabilidade das populações do semi-árido aos efeitos das longas estiagens, buscando formas de mantê-las no local, com qualidade de vida. "É um contingente muito grande e que está sempre sujeito à perda da safra. Aí, todo esse pessoal vem para Maceió em busca de emprego e não encontra, não tendo inclusive onde ficar. Essas ações seriam muito mais do ponto de vista social do que econômico".

Desafios dos sucroalcooleiros

Na ótica de Edmilson Veras, o setor sucroalcooleiro depende de duas variáveis para continuar competitivo. Uma delas envolve o preço do açúcar no mercado internacional, que depende da oferta dos outros países produtores, mas também da manutenção do protecionismo de grandes consumidores mundiais, como a Europa e os Estados Unidos. A outra vem do álcool que, segundo ele, tem duas possibilidades: a de uma crise mundial do petróleo abrir o mercado internacional e de se implantar uma política para o aumento da frota a álcool. Precisaria haver, no entanto, o compromisso de manutenção dessa frota, com o estabelecimento de cotas mínimas de produção, evitando que o cidadão invista no carro a álcool e corra o risco de ficar sem combustível no futuro.

Por sua vez, Pedro Robério evidencia que o setor sucroalcooleiro, sem perder de vista essa nova cultura do trabalho de parceria, da consciência social e sem desvalorizar o balanço econômico da empresa (custo, receita, lucro ou eixo de expansão), tem dois itens sobre os quais vai se debruçar nos próximos anos: a exportação de álcool, inclusive tentando construir parcerias sobretudo na Ásia e nos EUA para absorção da produção, e a produção de energia, como um segundo ponto de gravidade para o desenvolvimento do setor. "Já temos o máximo de eficiência na produção de açúcar e de álcool, entretanto a cana é aproveitada em 1/3 para o açúcar e 1/3 para o álcool. O outro 1/3, que é o bagaço, acaba jogado fora. Agora, vamos trabalhar essa parcela que pode gerar um produto igualmente nobre, que é a energia elétrica. A base para isso é a mesma que gera o açúcar e o álcool. Só é preciso instalar um gerador e ligar na rede. É programa para dar resposta em um ou dois anos", conclui o professor.