Título: O AI-5 abriu as portas do inferno
Autor: Otto Filgueiras
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/12/2004, Primeira Página, p. A-1

No dia 13 de dezembro de 1968, o Boletim Informativo 294, "jornal" interno do Serviço Nacional de Informações (SNI), chefiado pelo general Emílio Garrastazu Medici, noticiava que "o presidente Costa e Silva reuniu-se na tarde de ontem no Palácio das Laranjeiras com ministros militares, discutindo durante uma hora e 15 minutos a decisão da Câmara Federal, que negou licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves. A Secretaria de Imprensa do Palácio das Laranjeiras disse aos jornalistas que o presidente Costa e Silva acatará a decisão da Câmara Federal, e lembrou ponto de vista já expedido pelo chefe da Nação, de que o País vive na plenitude do regime democrático".

Não era verdade, pois o País era governado pelos militares desde o golpe de 1964, que derrubou o presidente João Goulart. Na tarde de 13 de dezembro de 1968 o marechal Arthur da Costa e Silva reuniu o Conselho de Segurança Nacional e anunciou o AI-5.

A historiadora Maria Celina D''Araujo diz no site da Fundação Getulio Vargas (FGV) que "o AI-5 foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985), vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. E 1968, `o ano que não acabou¿, ficou marcado na história mundial e na do Brasil como um momento de grande contestação da política e dos costumes". A historiadora diz que "esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o dos universitários, contra a ditadura".

Segundo Maria Celina "a marginalização política que o golpe impusera a antigos rivais - Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart - tivera o efeito de associá-los, ainda em 1967, na Frente Ampla, cujas atividades foram suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968. Pouco depois, o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o atestado de ideologia como requisito para a escolha dos dirigentes sindicais. Uma greve dos metalúrgicos em Osasco, em meados do ano, a primeira desde o início do regime militar, também sinalizava para a `linha dura¿ que medidas mais enérgicas deveriam ser tomadas para controlar as manifestações de descontentamento de qualquer ordem". Para os militares havia `um processo bem adiantado de guerra revolucionária¿ liderado pelos comunistas.

A gota d''água para a promulgação do AI-5, diz a historiadora,"foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, em setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro". O pronunciamento foi considerado ofensivo pelos ministros militares e em 12 de dezembro, a Câmara recusou, por diferença de 75 votos o pedido de licença encaminhado pelo governo para processar Márcio Moreira Alves. No mesmo dia do AI-5, o governo decretou recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado e só em outubro de 1969 seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.

No outro dia, o "jornal" do SNI noticiava que foram presos o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o ex-governador Carlos Lacerda, que articulara e apoiara o golpe em 1964. Em janeiro de 1969, o governo divulgou lista com cassações e entre os 43 atingidos estavam os senadores Aarão Steinbruck e João Abraão, 35 deputados federais, os ministros do Supremo Tribunal Federal Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Vítor Nunes Leal, e o ministro do Superior Tribunal Militar Peri Constant Bevilacqua.

Para Maria Celina"o AI-5 não só se impunha como um instrumento de intolerância em um momento de intensa polarização ideológica, como referendava uma concepção de modelo econômico em que o crescimento seria feito com sangue, suor e lágrimas".

De acordo com o livro "Brasil Nunca Mais", da Arquidiocese de São Paulo, ao terminar o governo do general Ernesto Geisel, em 1979, a estatística do regime militar de 1964 registrava aproximadamente 10 mil exilados políticos, 4.682 cassados, 245 estudantes expulsos das universidades por força do Decreto 477, milhares de cidadãos presos e torturados, e uma lista de três centenas de mortos e desaparecido.(O.F.)