Título: Segurados recuperam a capacidade de negociação
Autor: Denise Bueno
Fonte: Gazeta Mercantil, 31/08/2004, Relatório - Seguros Patrimoniais, p. 4

As empresas consumidoras de seguros eram obrigadas a aceitar altas taxas impostas pelo mercado internacional, que vinha superestimando riscos desde o fatídico 11 de Setembro. O segmento corporativo voltou a se impor na hora de negociar o programa de seguro. Até o ano passado, os que dependiam do mercado internacional eram praticamente obrigados a aceitar as coberturas e preços do mercado internacional. Hoje há margem de negociação. Mas as empresas brasileiras seguradas ainda sofrem com os reflexos do fatídico 11 de Setembro, que elevou as taxas a patamares e irreais aos riscos do País e com a manutenção do monopólio de resseguros no Brasil, um dos únicos países do mundo a manter monopólio de uma atividade que visa a pulverização de riscos nas mãos do IRB-Brasil Re.

"Era esperado que as taxas subissem, em razão do prolongado período de soft market. No entanto, tal tendência de alta foi acelerada de forma jamais vista após os atentados terroristas", diz Luis Alberto Mourão, executivo da Unibanco-AIG Seguros, líder na venda de seguros patrimoniais.

Entre 2000 e 2002, as perdas das companhias internacionais foram avaliadas em US$ 200 bilhões com desvalorização de investimentos e prejuízos catastróficos, relata Antenor Ambrósio, diretor da AON, segunda maior corretora de seguros do mundo. Muitas deixaram de operar, reduzindo a capacidade de retenção de risco. As que ficaram, foram obrigadas e elevar o preço para recompor as perdas. "Em 2003, as empresas já começaram a apresentar sinais de recuperação, reduzindo algumas taxas e tornando-se mais flexíveis na hora de negociar", comenta Ivan Passos, vice-presidente da SulAmérica Seguros.

Queda de 15%

O índice combinado da carteira de incêndio e lucro cessante de empresas no mercado internacional saltou para 123% em 2001, 88% em 2002, e em 2003 está estimada em 85%, enquanto em 2004, em 83%, segundo boletim divulgado pela AON. "O mercado internacional já sentiu uma necessidade de reduzir as taxas, com quedas médias de 15%, trazendo-as a um patamar mais real", informa Carlos Eduardo Correa do Lago, diretor gerente de auto e ramos elementares da Bradesco Seguros.

Recuperadas financeiramente mas não psicologicamente dos atentados terroristas, as resseguradoras acedem o sinal amarelo a qualquer alerta, como no último dia 13, com o furacão Chatney, na Flórida, que fez com que parassem de reduzir as taxas até terem uma noção melhor dos prejuízos causados. Dados preliminares, apontam perdas seguradas próximas a US$ 10 bilhões. "Se nenhuma grande catástrofe ocorrer no mundo, a tendência permanecerá de queda", avalia Eduardo Marques, diretor executivo da subsidiária brasileira do grupo Marsh McLennan, dono da maior corretora de seguros do mundo.

O que se tem observado no mercado brasileiro é a manutenção dos limites segurados nas renovações; as franquias têm aumentado ligeiramente com tendência a serem fixas; e tem aumentado o interesse por novas coberturas com respeito a riscos ambientais e riscos profissionais, como mostram os lançamentos já realizados no primeiro semestre e os previstos até o final do ano.

A tendência de queda nos preços fica nítida no resultado do primeiro semestre deste ano, período em que as seguradoras faturaram R$ 1,8 bilhão com o ramo patrimonial, que inclui incêndio, lucros cessantes, risco de engenharia, entre outros. Um crescimento nominal de apenas 2,1%. Todos reconhecem que tal aumento teve um impacto positivo no resultado das companhias.

A Unibanco saiu de um market share de 8,23% em 2000 para 15,43% em maio deste ano. "A Unibanco, dentro da filosofia de parcerias com clientes e corretores, e com a experiência da AIG, obteve nos últimos cinco anos crescimento consistente em vendas e melhoria dos resultados", diz o executivo. Em um índice combinado próprio do grupo, houve expressiva melhora, saindo de 91,48% para 44,59%, enquanto a média do mercado, calculada sobre os mesmo parâmetros, foi de 63,80% até maio de 2004.

Descontos locais

Além do impacto positivo das quedas no preço do seguro no mercado internacional, que aos poucos chega ao Brasil por meio do IRB, as empresas estão obtendo descontos no mercado local. Segundo Marques, da Marsh, o preço do seguro para grandes e médias empresas, cujos preços são definidos pelo resseguro, tem registrado queda. "Temos obtido resultados satisfatórios principalmente para riscos de manufatura (têxtil, autopeças, alimentos), com bom histórico de sinistralidade, obtendo redução em torno de 5% até 12%", revela. Já as empresas de geração, como siderurgia, petroquímica, papel e celulose, químicas e de alumínio, são beneficiadas com reduções entre 5% e 10% apenas se estiverem apresentando bom índice de sinistralidade.

Segundo Marques, a maior dificuldade é sentida na área de telefonia, onde, além da diluição dos riscos pela disposição geográfica, em face dos elevados valores segurados, observa-se uma discrepância flagrante de taxa face a sua incidência sobre valor em risco. "O fato do mercado brasileiro não permitir a exclusão de ativos que estão abaixo da franquia também prejudica a obtenção de descontos", acrescenta.

Já no ramo de responsabilidade de executivos, apólice conhecida como Director & Officers (D&O), no primeiro semestre houve uma redução de 10% nas taxas de D&O. A justificativa é porque o mercado está em expansão e hoje há uma maior amplitude de cobertura. O IRB tem uma capacidade de contrato automático de US$ 25 milhões, com a retenção da maioria da demanda.

Marques disse que há uma boa margem para redução também no mercado interno. "O nível de competição entre as seguradoras, que querem aumentar a base de clientes, tem sido interessante", comenta. Um ponto destacado pelo executivo da Marsh é a tendência de especialização das companhias de seguros. "Percebemos que algumas estão com boa experiência em determinado nicho e por isso têm condições de praticar uma taxa apropriada ao risco. Em outros segmentos, onde atuam pouco, já cobram uma taxa mais salgada por desconhecer o risco", diz.

"A competição em grandes riscos tem se acirrado. Mas temos mantido taxas compatíveis com o risco, pois de nada adianta vender muito hoje e ter problemas no futuro", ressalta Passos, da SulAmérica, segunda maior companhia do Brasil, com quase R$ 3 bilhões em prêmios no primeiro semestre deste ano. É a quarta maior em riscos patrimoniais, com R$ 156 milhões nos primeiros seis meses do ano; a líder no ramo transporte, com R$ 124 milhões; a quinta em casco e aeronáuticos; a quarta maior em riscos especiais e responsabilidade civil; e a segunda em crédito.

Segundo o executivo, para o grupo SulAmérica todos os segmentos são importantes. "Operamos com todos os ramos e sei que estamos bem agressivos no risco de responsabilidade civil, pois temos boa experiência e podemos praticar uma taxa muito competitiva", diz Ivan Passos. A SulAmérica transferiu do Rio para São Paulo a área de subscrição e de regulação de sinistro de grandes clientes. "Isso agiliza muito a prestação de serviço, uma vez que 70% de nossos clientes estão em São Paulo", afirma Passos.

O mesmo se repete na Bradesco Seguros. "Nosso foco são todas as médias e grandes empresas, de todos os segmentos da economia", diz o executivo da Bradesco, líder no ranking nacional, com prêmios de R$ 5 bilhões, segunda maior em riscos patrimoniais, aeronáutico e riscos especiais, com R$ 225 milhões, R$ 42 milhões, R$ 24 milhões, respectivamente; terceira em transporte e responsabilidade civil, com R$ 72 milhões e R$ 16 milhões no primeiro semestre do presente ano.

A AGF Brasil Seguros, quinta maior em vendas no ramo patrimonial, reestruturou a área para prestar um serviço mais especializado, facilitando a obtenção de novos clientes e também a manutenção dos atuais. "Para ampliar nossa atuação em grandes riscos e corporate, criamos uma nova estrutura para a área, que agora está subdividida em segmentos distintos. O modelo está alinhado às estratégias dos grandes corretores instalados no Brasil e tem como objetivo segmentar os negócios para atender às necessidades específicas dos clientes, de acordo com a origem do negócio", relata Luiz Carlos Paladino, gerente executivo de Seguros Facultativos e Multiprodutos da área Corporate da AGF.

A lição positiva do ciclo hard foi que os segurados passaram a investir mais em gerenciamento de risco. "Hoje muitos preferem aumentar o valor da franquia, pois conhecem bem o seu próprio risco, e preocupam-se em contratar seguro apenas para eventos catastróficos", diz o executivo da AON. "A maioria já entendeu que segurar sinistro de alta freqüência não é um bom negócio. É trocar dinheiro com a seguradora, sem benefícios para ninguém. A opção tem sido investir em gerenciamento de risco, manutenção preventiva, e concentrar o programa de seguros em riscos de catástrofes", acrescenta Marques, da Marsh.

No entanto, ressaltam os corretores, é preciso avaliar bem se a evolução da franquia vai gerar economia com o custo do seguro. É preciso tomar cuidado sobre qual é o ganho e qual é o custo disso e acreditar muito na política de gerenciamento de risco da empresa.

"A saída para aumentar o tamanho do mercado é lançar produtos", afirma o executivo da Unibanco, que lançou em julho o seguro Responsabilidade Civil por Danos de Poluição Ambiental. A companhia é a primeira no mercado nacional a colocar à disposição do segmento corporativo esse tipo de seguro.