Título: Agricultor protesta contra Mercosul
Autor: Neila Baldi
Fonte: Gazeta Mercantil, 10/12/2004, Agribusiness, p. B12

Produtor quer impostos e cotas para conter entrada de mercadorias importadas dos países vizinhos. Assim como na Revolução Farroupilha (1835), quando os gaúchos se rebelaram contra os altos impostos cobrados pelo governo central, novamente o estado é palco de uma luta contra as ações da União. Desta vez, não vai ser preciso pegar em armas.

Os agricultores do Rio Grande do Sul querem que o governo federal reavalie os acordos do Mercosul para que os produtos importados dos países vizinhos não entrem no Brasil a preços mais baixos que o custo de produção local. Estão em pauta as importações de vinho, trigo e arroz. Na próxima segunda-feira, o tema poderá ser discutido na reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex).

Apenas no último mês, os agricultores gaúchos fecharam as fronteiras do estado duas vezes, denunciando a importação de arroz do Mercosul a preços mais baixos. Os produtores reclamam ainda que quatro das nove balanças instaladas nas fronteiras não estão funcionando. Com isso, pode ter entrado mais arroz importado do que o declarado.

Abaixo do custo de produção

Neste ano, o Brasil produziu 12,8 milhões de toneladas de arroz, volume suficiente para atender o consumo interno. Mesmo assim, as importações do Mercosul podem chegar a 900 mil toneladas.

As importações continuam entrando porque o grão do Mercosul chega com preços mais baixos que o custo de produção nacional.

As beneficiadoras preferem continuar comprando o importado. Com isso, o Brasil está formando um elevado estoque de passagem, de 1 milhão de toneladas.

"Já passou a hora de se rever o acordo do Mercosul", afirma Valter Pöetter, presidente da Federação dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz). Ele diz que, se o governo não resolver o problema, os arrozeiros vão buscar alternativas na Justiça. Ele não informou em qual fórum pretende apelar.

Segundo dados da consultoria Safras & Mercado, o arroz uruguaio entra no Brasil a R$ 24 a saca (50 quilos), preço 14% inferior ao custo de produção do arroz gaúcho, que é de R$ 28 a saca. Para concorrer com o importado, o produtor gaúcho está vendendo a saca a R$ 23,50. Desde março, no início da safra, os preços já caíram 28% no mercado interno.

O analista Aldo Lobo, da Safras, diz que o arrozeiro uruguaio consegue preços mais competitivos porque o governo local incentiva a produção. Além disso, o agricultor é mais produtivo, conta com vantagens tributárias e facilidades para obter financiamento. O arroz é um dos principais produtos da pauta de exportações do país. O Uruguai produz 1,2 milhão de toneladas, das quais 80% vende para o Brasil.

Equiparação do trigo gaúcho

Outro produto que entra no Brasil a preços competitivos é o trigo. O argentino de qualidade superior chega no moinho a R$ 450 a tonelada. O grão produzido no Rio Grande do Sul, que é de qualidade inferior, custa R$ 390 a tonelada. Mas esses são preços "posto moinho".

Quando se fala em valores pagos ao produtor, o quadro é ainda pior. No Rio Grande do Sul e no Paraná, a tonelada está cotada a R$ 380, abaixo do preço mínimo fixado pelo governo, de R$ 400. "O agricultor brasileiro vende abaixo de seu custo de produção porque está descapitalizado", diz Lobo.

Diante dos preços baixos, as cooperativas no gaúchas saíram da comercialização e estão à espera de ações do governo. Hoje, serão leiloados Prêmio para Escoamento do Produto (PEP) para 140 mil toneladas. "O governo tem que exigir do moinho equiparação", diz Antônio Wünsch, presidente da Cooperativa Tritícola Três de Maio (Cootrimaio). Por "equiparação" entenda-se que o governo deveria exigir das indústrias que a cada tonelada de trigo importado os moinhos deveriam comprar uma tonelada de grão gaúcho - e não brasileiro. Isso porque o Rio Grande do Sul teria um excedente de trigo maior que o de outros estados; daí a necessidade de uma regulamentação específica.

Segundo dados da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), tem entrado vinho argentino de qualidade inferior a preços de até R$ 3 a garrafa. "Mesmo o nosso produto de menor qualidade não chega ao mercado a esse preço", afirma Danilo Cavagni, presidente da entidade. De acordo com ele, também chegam grandes quantidades de produto contrabandeado. Segundo a Uvibra, as importações de vinho cresceram 44% em relação ao ano passado. O destaque é a Argentina. As compras do país vizinho aumentaram 111%, totalizando 8 milhões de litros. Por isso, os vitivinicultores querem que o Brasil imponha cotas de importação ao produto do Mercosul.

"Não se trata de uma luta dos gaúchos, mas de todos os produtores prejudicados pelas importações", diz o deputado federal Luís Carlos Heinze (PP/RS). Segundo ele, é preciso encontrar uma forma de conter as importações do Mercosul e de incentivar as exportações nacionais. Heinze diz que salvaguardas poderão ser adotadas pela Camex, já que hoje um grupo do governo brasileiro discutirá o tema na Argentina.