Título: Crédito ao consumo estimula as vendas e o endividamento
Autor: Regiane de Oliveira
Fonte: Gazeta Mercantil, 14/12/2004, Comércio & Serviços, p. A-14

A expansão do crédito para o consumo teve reflexos positivos nas vendas do comércio paulistano. Segundo estimativa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), as vendas deste ano devem reverter o cenário de queda de 3,8% de 2003, mostrando crescimento real de 5%.

Do lado dos consumidores, a situação é desfavorável. Pesquisa da Fecomercio mostra que 70% dos consumidores da Grande São Paulo estão endividados. Em novembro, a participação de devedores era de 65%. Mesmo assim, a inadimplência diminuiu, passando de 41% para 33% neste mês.

A base fraca de comparação foi uma das grandes responsáveis pelo resultado deste ano, principalmente quando se considera o primeiro semestre do ano. Já a partir de agosto, quando a base se tornou mais sólida, começou a ocorrer uma desaceleração. Em julho, por exemplo, o setor acumulava alta de 7,4% no ano. Em outubro, porém, essa variação encolheu para 6,1%, segundo a Pesquisa Conjuntural do Comércio Varejista (PCCV), da Fecomercio.

De janeiro até outubro, os destaques ficaram por conta dos setores de comércio automotivo (crescimento de 11,32%), eletrodomésticos (18,49%) e vestuários, tecidos e calçados (17,78%). Já os piores desempenhos vêm ocorrendo nas lojas de autopeças e acessórios (¿8,65%), que são afetadas com o aumento da venda de veículos novos; eletroeletrônicos e cine-foto-som (¿3,53%); e materiais de construção (¿2,34%).

O fraco resultado das lojas de eletroeletrônicos e cine-foto-som é atribuído à alta concorrência. As lojas especializadas vêm perdendo espaço para grandes concorrentes, como as redes de eletrodomésticos, que passaram a comercializar estes produtos.

Nas lojas de materiais de construção, apesar das iniciativas governamentais de estímulo ao crédito, o aumento do preço dos produtos dificultou a recuperação.

O setor de supermercados também apresentou diminuição de sua taxa de crescimento acumulada do ano: caiu para 3,3% em outubro, depois de atingir 6,03% em julho. O recuo tem uma explicação: o setor vende principalmente produtos alimentícios e de higiene/limpeza, que refletem apenas mudanças de renda do consumidor e não facilidades de crédito, como ocorre com produtos duráveis e de vestuário.

O resultado positivo desse ano, porém, está longe do ideal. "Ainda torcemos para atingir um aumento de 6% no faturamento", comenta Abram Szajman, presidente da Fecomercio. Os módicos 5% de expansão também não podem ser considerados sustentáveis. Segundo o empresário, só o crédito não é suficiente para garantir a recuperação econômica, uma vez que os índices de desemprego ainda continuam regredindo de forma lenta.

"A renda ficou estagnada. O que houve foi um aquecimento das vendas em cima de aumento de crédito", afirma Szajman. Entre as medidas que beneficiaram o trabalhador, está a mudança na legislação que permite a redução de juros com o débito de empréstimos diretamente na folha de pagamento.

Segundo Szajman, hoje 70% do comércio operam com vendas a crédito, financiadas na maioria por bancos, como ocorre com os grupos Pão de Açúcar (Itaú), Magazine Luiza (Unibanco) e Casas Bahia (Bradesco). "Apenas uma pequena parte dos consumidores compra à vista", ressalta. Isto mostra que iniciativas como a elevação da taxa básica de juros (Selic) servem para segurar o consumo.

Natal

O aumento dos juros, porém, não vai afetar as vendas de Natal. "Este ano, temos poucos dias úteis para perceber qualquer efeito destas medidas", diz Szajman. Segundo a Fecomercio, a previsão é que o faturamento do varejo de São Paulo no Natal cresça de 2% a 4% este ano. Ao todo, espera-se a movimentação de cerca de R$ 14 bilhões somente na região metropolitana da capital.

Entretanto, o efeito do aumento do juros, diz Szajman, será sentido no comércio logo no começo do próximo ano. "Este ano, o que nós vemos é a queda no Índice de Confiança do Consumidor (ICC)", afirma. O índice mostrou um comportamento diferente do tradicional em dezembro: as pessoas que ganham até 10 salários mínimos estão otimistas com o presente e mais temerosas em relação aos próximos meses.

A situação atual pode ser explicada por fatores como o aumento pontual da renda do consumidor (13 salário) e também pelo aspecto psicológico positivo gerado pelas festas de fim de ano. Mas o consumidor mostra uma certa insegurança quanto à continuidade da recuperação econômica.

Szajman ressalta que não faltam motivos para esta desconfiança do consumidor: "Nestes dois anos, o que se esperava do governo eram investimentos na área social, mas isto não aconteceu: a política continua ortodoxa, monetária."

2005

Ele ressalta que, além da lenta recuperação do emprego e dos baixos reajustes salariais, outros fatores que foram decisivos para os resultados de 2004, como o aumento do crédito e das exportações, não devem ter a mesma performance no próximo ano.

Para 2005, as primeiras projeções da Fecomercio apontam um crescimento modesto em todas as áreas da economia. Os produtos primários e agrícolas tendem a ter uma queda no comércio externo, num momento em o câmbio também não favorece a manutenção do mesmo ritmo de exportação. Já as importações podem crescer em cerca de US$ 10 bilhões.