Título: A sobrevivência do "otimismo consolidado"
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/12/2004, Editorial, p. A-3

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a produção industrial, em outubro, caiu 0,4% em relação ao mês anterior. É a segunda queda consecutiva: em setembro, o recuo já alcançara 0,2% em relação a agosto. Tais fatos podem levar os pessimistas de plantão a identificar uma reversão de tendência sinalizando desaceleração de ritmo na economia. Ledo engano, sustentado em interpretação equivocada desses dados. Como ponderou Silvio Salles, coordenador da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do IBGE, o setor está "acomodando seu patamar de produção em níveis elevados". Os dados acumulados nos dez primeiros meses do ano, comparados com igual período do ano anterior, revelam expansão de 8,3% na produção industrial. Anualizada essa expansão alcança 7,3%.

Quando observados os níveis de ocupação da capacidade instalada e de emprego industrial é difícil negar que o ciclo de avanço continua. A pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada na semana passada, revelou que a utilização da capacidade instalada alcançou média de 82,7% em outubro, contra 83,1% em setembro. Como a mesma pesquisa apontou que o número de horas trabalhadas aumentou 0,53% entre os dois meses, é possível identificar certo crescimento nos investimentos em produção. A pesquisa da CNI também mostrou que o número de pessoas empregadas aumentou 0,43%, em termos dessazonalizados, em outubro. Ou seja, sem confiança sólida nos horizontes imediatos, quem estaria investindo e contratando?

A leitura de dados sobre produção industrial exige alguma memória seletiva. Nos primeiros dez meses deste ano, os bens de consumo duráveis tiveram crescimento de 22,7%, bem maior que a média dos demais setores. Bens de capital não ficaram muito atrás: 21,8%. Período de expansão tão concentrado exige óbvia acomodação. Parte dessa acomodação tem causas localizadas. Por exemplo, o recuo de 1,3% entre outubro e setembro na produção de bens de capital está relacionado à perda de pedidos de máquinas agrícolas. Desde o segundo trimestre esse dado começou a pesar no setor. É importante notar que a produção de máquinas e equipamentos para fins industriais e comerciais alcançou alta de 19,6% em outubro, em relação a setembro e de 13,6% quando a comparação é anualizada. É preciso cruzar esse dado com o fato de que o IBGE encontrou, na análise do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, crescimento de 20,1% na Formação Bruta de Capital Fixo (investimento), para se ter uma idéia mais precisa do comportamento imediato da economia brasileira. Há sinais visíveis de ampliação da capacidade instalada no parque industrial brasileiro.Os dados da PIM do IBGE não revelam apenas a "natural" acomodação da indústria depois da fase de crescimento ininterrupto desde o final do ano passado. Acomodação significa que, nos próximos três meses, a produção, literalmente, deve ficar onde está, em compasso de espera e observação. Deve voltar a acelerar, também naturalmente, a partir de março ou abril, dependendo de um outro vetor, as decisões sobre taxas de juro. Nesse aspecto, a pesquisa do IBGE sobre a produção de outubro também oferece sinais importantes. A produção de bens duráveis despencou 2,3% nesse mês em relação ao anterior e a de semiduráveis e não duráveis (de vestuário a alimentos industrializados) -1,1%, na mesma base de comparação. Depois de acumularem avanços sensíveis na produção anualizada a perda de produção de bens duráveis representa alívio nas preocupações com o ritmo da demanda. O aumento do custo do dinheiro mostrou seu poder nesses dois setores. A lenta recuperação da renda também afeta a projeção de crescimento dos mesmos setores. Em outras palavras: a pesquisa do IBGE demonstra que não há pressões inflacionárias imediatas em bens de consumo. A alta dos juros atingiu seus efeitos e, não há dúvida, que a pergunta essencial permanece inalterada: nesse quadro, a taxa Selic precisa continuar a subir?

Não há reversão da tendência de crescimento porque o ritmo de investimento se acelerou, como confirma a média de ocupação da capacidade instalada. Não há antídoto mais eficiente para a inflação de demanda. A confiança do investidor, revelada pela pesquisa da Fundação Getulio Vargas (83% das empresas esperam aumento de faturamento em 2005), tem limites. Permitir que o ano que vem para a indústria só tenha início efetivo "no segundo semestre" é dose excessiva de remédio amargo. Não há "otimismo consolidado" que sobreviva à contínua escalada dos juros. kicker: Depois de meses de expansão, como mostrou o IBGE, a indústria "acomoda" a produção à espera das decisões sobre juros