Título: Questões polêmicas ficam para 2005
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/12/2004, Legislação, p. A-7

O Supremo entra em recesso no dia 20 e só volta a realizar sessões plenárias em fevereiro. O Supremo Tribunal Federal entra em recesso no dia 20, e só volta a realizar sessões plenárias em fevereiro. Assim, só no primeiro trimestre de 2005 é que deve decidir algumas das questões polêmicas de grande repercussão social e política que não conseguiu julgar neste ano. Os temas mais controversos que estão em pauta são: a eventual permissão do aborto por mulheres portadoras de fetos sem massa encefálica; a fixação dos limites do Ministério Público na condução de investigações criminais; a possibilidade de progressão, para os regimes semi-aberto e aberto, das penas de condenados por crimes hediondos; a constitucionalidade da legislação referente a cotas para negros e outras minorias nas universidades públicas; a extensão do foro privilegiado para autoridades e ex-autoridades de governos quando processadas por atos e improbidade administrativa; dispositivos do estatuto do Desarmamento que determinam, entre outras medidas, a destruição das armas de fogo e munições apreendidas; a constitucionalidade do sistema eletrônico que permite a execução sumária de sentenças trabalhistas (penhora on-line).

Dessas ações, quatro tiveram seus julgamentos interrompidos por pedidos de vista de ministros. O pedido de vista mais recente ocorreu no último dia 2, quando a ministra Ellen Gracie interrompeu, mais uma vez, o julgamento do recurso em habeas corpus proposto por Oséas de Campos, condenado por atentado violento ao pudor -um dos crimes listados como hediondos na Lei 8.072/90 e, portanto, sujeito a reclusão, sem possibilidade de atenuação da pena, mesmo em virtude de bom comportamento.

O caso é paradigmático por que, ao solicitar direito à progressão da pena, a defesa do réu alega que a lei que definiu o crime de tortura (9.455/97) permitiu o benefício. Assim, por isonomia, a possibilidade de progressão da pena deveria ser adotado para qualquer tipo de crime hediondo. Já votaram a favor da tese da defesa do réu nesse caso-piloto os ministros Marco Aurélio (relator), Ayres Britto, Cezar Peluso e Gilmar Mendes. Faltam votar -além de Ellen Gracie- os ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Nelson Jobim e Eros Grau. Como Pertence praticamente antecipou seu voto nos debates anteriores, tudo indica que o eventual atenuação da pena nos crimes hediondos será acolhido pelo STF.

A descriminação do aborto nos casos de mulheres grávidas de fetos anencefálicos levará meses para ser aceita ou negada. O pleno do STF cassou, em outubro, por sete votos a quatro, a liminar concedida pelo relator, Marco Aurélio, numa ação de "argüição de preceito fundamental" movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Considerou o caso muito complexo para ser objeto de uma decisão provisória. Mas, durante quatro meses, a liminar de Marco Aurélio valeu, e quem "interrompeu a gravidez" nesse período, nos limites da permissão liminar, não praticou crime de aborto.

Mas o STF vai ter de analisar em primeiro lugar a admissibilidade da "argüição" da CNTS. Se a ação for admitida, o ministro Marco Aurélio quer realizar uma audiência pública, com especialistas, antes do julgamento do mérito da questão.

No mérito -a julgar por suas intervenções quando da sessão que cassou a liminar do relator- devem votar contra o "aborto terapêutico", entre outros, os ministros Eros Grau e Cezar Peluso. Eros Grau considerou a decisão provisória tomada em julho por Marco Aurélio "uma liminar contra a vida". Peluso disse que a liminar era "uma ofensa a um valor jurídico tutelado, que é a vida intrauterina". Mas Marco Aurélio tem o apoio dos ministros Ayres Britto, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa que manifestaram-se sobre o assunto na tumultuada sessão em que foi cassada a polêmica liminar do ministro-relator.

Quanto ao julgamento sobre o poder dos procuradores de promover diretamente investigações criminais, sem se dar uma interpretação literal à norma constitucional que assegura às polícias civil e federal o comando da apuração das infrações penais, o ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos do recurso em que é acusado o deputado licenciado Remi Trinta (PL-MA) em 2 de setembro. O placar era de três a dois a favor da extensão da competência ao Ministério Público. Votaram a favor da reivindicação do MP os ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ayres Britto e, em sentido contrário, Marco Aurélio (relator) e Nelson Jobim. No dia 13 de outubro, Peluso renovou o pedido de vista.

A discussão relativa ao foro privilegiado para autoridades públicas processadas por atos de improbidade administrativa, provocada por ações de inconstitucionalidade da Associação Nacional dos Membros do MP e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, foi suspensa na sessão de 22 de setembro, com pedido de vista de Eros Grau. O relator, Sepúlveda Pertence, votou pela procedência das ações.

O pronunciamento do STF sobre o problema das cotas para negros e outras minorias nas universidades é aguardado com expectativa -sobretudo depois que o Supremo passou a ter o poder de baixar súmulas vinculantes sobre decisões em matéria constitucional tomada pela maioria absoluta de seus integrantes. Em causa, ação proposta em maio pela Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra lei estadual do Rio de Janeiro, que estabeleceu reservas de vagas para o ingresso nas universidades públicas fluminenses.

Para os advogados da Confenen, João Geraldo Piquet Carneiro e Guilherme Magaldi Neto, a lei fere dispositivos constitucionais, a partir da "cláusula pétrea" segundo a qual todos são iguais perante a lei, "sem distinção de qualquer natureza".

kicker: Estão na pauta: o foro privilegiado para autoridades e ex-autoridades e o sistema de penhora on-line