Título: Política agrícola vai mudar e os franceses reclamam
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Gazeta Mercantil, 13/12/2004, Internacional, p. A-10

ONGs dizem que a reforma, que começa em janeiro, não altera nada. Os produtores rurais da União Européia vivem um momento de forte expectativa sobre seu futuro. Em janeiro de 2005 começam a ser testadas as novas regras da Política Agrícola Comum (PAC), criada em 1957, após o fim da II Guerra Mundial. É a terceira e mais profunda mudança na forma como o bloco apóia o seu setor agrícola.

Em linhas gerais, os subsídios não serão mais distribuídos em função dos volumes produzidos, e sim por propriedade. O valor será calculado levando em conta o que foi destinado para cada área rural de 2000 a 2002. Isso tende a propiciar maior competitividade por parte dos produtores, que tocarão suas fazendas com base na oferta e demanda de mercado. As normas foram definidas em junho de 2003 e devem ser implementadas por todos os integrantes da UE até 2007.

A reforma foi considerada tímida por muitos especialistas em negociações internacionais. Mas, mesmo assim, deve marcar uma freada no mecanismo produtivo que a França, particularmente, havia defendido até então, avalia Argemiro Luis Brum, doutor em economia internacional pelo Instituto de Agricultura Mediterrânea de Montpellier.

O país é a maior nação agrícola do bloco e, portanto, a principal beneficiada com as atuais regras. Os agricultores franceses recebem cerca de ¿ 10 bilhões em incentivos do total de ¿ 50 bilhões do orçamento da PAC (o qual é quase metade do orçamento da UE). Por isso mesmo, os produtores estão inconformados. Alegam que a reforma foi imposta por Bruxelas, sede da UE, e poderá trazer danos irreversíveis, como o desaparecimento de culturas menos competitivas e rentáveis, e a falência de pequenos e médios trabalhadores.

"Em nome da pressão internacional por redução de subsídios, vamos passar por cima das colheitas tradicionais e da qualidade de vida", afirma Jean-Claude Chibarie, presidente da Câmara de Agricultura do distrito de Haute-Garonne, com sede em Toulouse.

`Mãozinha¿ do governo

Hoje, em alguns casos, o governo praticamente paga para que os produtores possam continuar em culturas pouco competitivas. "Sem a ajuda governamental, a decisão sobre o que plantar será ditada pelo mercado", diz Chibarie.

Ele explica que o departamento Haute-Garonne não tem vocação exportadora e é extremamente dependente da PAC. São 250 mil hectares cultiváveis em sete regiões naturais diferentes, com altitudes que variam de 100 metros acima do nível do mar a 3,2 mil metros. A produção é variada, e vai da viticultura aos grãos.

Segundo a Câmara de Agricultura, enquanto o percentual de subsídios compensatórios para a produção é de 11,2% na França, em Haute-Garonne é de 21,9%.

O produtor Serge Laborie, que possui uma área de 200 hectares (a média é de 40 hectares) a 20 minutos de Toulouse, é um bom exemplo do que acontece na região. Ele planta milho, trigo e girassol, e vende toda a produção para a cooperativa local. Metade de seu faturamento, de ¿ 45 mil por ano, vem da PAC.

"Sei que nos próximos dez anos estes valores serão reduzidos e a expectativa é que meu faturamento caia pelo menos 30% se eu não reagir", diz Laborie, acrescentando que a saída passa pela busca de novos mercados e maior valor agregado aos produtos.

Para ter acesso aos subsídios da política agrícola, os agricultores deverão cumprir outras condições daqui para frente, como se comprometer a respeitar medidas destinadas a melhorar o meio ambiente, a segurança alimentar e também o bem-estar dos animais.

A França também implementará em 2005 o primeiro nível de modulação, uma outra nova regra. A UE decidiu impor uma taxa obrigatória sobre as ajudas diretas recebidas pelas propriedades rurais, a fim de financiar o chamado desenvolvimento rural.

O modelo obrigatório começará em 2005, com uma retenção de 3% do orçamento, e que deve passar a 5% no período de 2008 a 2013. Somente as propriedades rurais que recebem mais de ¿ 5 mil de subsídios por ano serão obrigadas a contribuir. "São em torno de 25% de todas as propriedades, que recebem perto de 80% dos subsídios", afirma Brum.

Segundo o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone), que é financiado por segmentos do agribusiness brasileiro, este processo criará um valor estimado em ¿ 1,2 bilhão por ano em receitas extras, uma vez alcançado o percentual de 5%.

Exportação para pobres

A reforma da PAC atinge diversos produtos relevantes para o Brasil, como cereais, carne bovina e ovina. Outros, como lácteos, só entrarão no sistema em 2008. Em alguns casos, a desvinculação entre subsídio e o volume de produção será parcial. Para cereais, por exemplo, a União Européia decidiu que 25% dos pagamentos devem continuar funcionando pelo sistema antigo.

Organizações não-governamentais, como a Oxfam, dizem que a reforma não alterará o quadro atual. Segundo as ONGs, a Europa continuará pagando subsídios que fomentam uma superprodução massiva. E os excedentes, por sua vez, continuarão sendo exportados a preços baixos para países mais pobres.

Para Brum, a decisão de reformar a PAC não implica exatamente em redução de subsídios. "É uma realocação, com intuito de gastar melhor o dinheiro público, e não necessariamente menos." Estudos do Ícone também seguem esta linha. Segundo o instituto, nada garante que a reforma vá, de fato, reduzir a produção ou sequer baixar os elevados preços recebidos pelos produtores europeus.

kicker: Subsídios compensatórios para a produção é de 11,2% no país que mais se beneficia da PAC