Título: Precisa-se de mais e melhores empregos
Autor: Armand F. Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/12/2004, Opinião, p. A-3

Políticas de renda mínima poderão ser cada vez mais necessárias. Metade dos 2,8 bilhões de trabalhadores no mundo inteiro vive com uma remuneração de menos de US$ 2 por dia (menos de R$ 6 por dia), com poucas perspectivas de escaparem da pobreza, como mostrou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em seu "Relatório Mundial de Emprego". Cerca de 18% (550 milhões) vivem com menos de US$ 1 por dia. É preocupante que a pobreza seja derivada não só da falta de oportunidades de emprego assalariado ou por conta própria, mas também da baixa remuneração resultante do subemprego e de baixa produtividade. O relatório revela que, embora esses números representem uma proporção menor em relação ao total da força de trabalho, se for comparado com a pesquisa de 1990, alcançar a meta estabelecida pelas Nações Unidas, de cortar a pobreza pela metade até 2015, irá demandar esforços maiores para gerar mais e melhores empregos com aumentos de produtividade e de remuneração. A recente estimativa otimista do Fundo Monetário Internacional de um crescimento anual mundial de 5% poderia, grosso modo, cobrir as necessidades da meta de redução da pobreza pela metade, especialmente se a redistribuição de renda não se agravasse, o que já é pouco provável. A situação mundial é distorcida pelo desempenho muito melhor da China (comparado com o resto do mundo). O número de trabalhadores com menos de US$ 1 dólar por dia diminuiu 43% na China em 13 anos, isto é: de 242 milhões em 1990 para 139 milhões em 2003. Mas a situação agravou-se em outras regiões. Tudo isso indica que, após duas décadas de apostas frustradas no crescimento, o mundo necessita (mais que a simples liberalização de mercados) de uma agenda de trabalho decente, com ênfase especial em políticas de emprego mais abrangentes e mais integradas com outras políticas econômicas e sociais. No caso do Brasil, precisa-se de uma estratégia de desenvolvimento que busque crescimento junto com "o grande objetivo de gerar emprego", como disse o ministro Furlan. É também evidente que, no caso brasileiro, uma política geral de emprego - mais integrada com políticas de incentivos a investimentos setoriais regionais e locais que possam gerar mais empregos - terá de andar junto com reformas fiscal, trabalhista e previdenciária que incluam redução de encargos e de burocracia para ajudar a reduzir a informalidade de empregos assalariados e por conta própria, inclusive de microempresas e de cooperativas. As conclusões desse relatório sobre emprego no mundo convergem com os resultados do relatório sobre segurança econômica, lançado também pela OIT, que sugeria nas entrelinhas que políticas de renda mínima poderão ser cada vez mais necessárias em situações onde a geração de renda via trabalho seja insuficiente. Programas de transferência de renda, sejam de caráter assistencial seletivo ou de caráter universal redistributivo, serão inevitáveis até certo ponto, mas seus efeitos diretos e indiretos na demanda agregada e na geração de riqueza serão mais que provavelmente insuficientes para erradicar a pobreza. O ideal será que esses programas suplementem e não substituam programas de inclusão social via trabalho produtivo, atendendo a necessidades tradicionais do mercado e a necessidades básicas comunitárias e promovendo um círculo virtuoso de crescimento com redistribuição de renda, contribuindo assim para o desenvolvimento sustentável. Trabalho produtivo é, por isso, indispensável, porém insuficiente para romper o círculo vicioso da pobreza. Além de produtivo, deve ser decente. A inclusão social pelo trabalho e a elevação dos salários reais desejáveis em si pelo objetivo da justiça social são também requisitos indispensáveis para a estratégia de expansão da demanda agregada da população, que é chave para o crescimento sustentável. Tais objetivos necessitam de estratégias de desenvolvimento baseadas na integração de políticas econômicas e sociais com ênfase na geração de emprego. Esse foi o foco de um seminário realizado na semana passada na Confederação Nacional de Indústria em Brasília, organizado pela OIT junto com o Ministério do Trabalho e Emprego, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Ipea e o Pnud. kicker: Estratégias de desenvolvimento econômico devem ter ênfase na geração de emprego