Título: Sigilo bancário brasileiro é criticado por italianos
Autor: Hugo Marques
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/09/2004, Legislação, p. A-7

O procurador Nacional Antimáfia da Itália, Piero Luigi Vigna, considera "anti-histórica" a postura do Brasil em não abolir o sigilo bancário do crime organizado para que o Ministério Público faça a investigação, como é feito em seu país. Principal estrela do Encontro Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos -que será aberto hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Superior Tribunal de Justiça-, Vigna lembra dos paraísos fiscais ao comentar sobre a postura do país em relação ao sigilo. "Me parece anti-histórica essa posição do Brasil com relação ao sigilo bancário, uma posição contrária ao rumo da história. Me parece uma posição suspeita", afirmou Vigna.

Responsável pela investigação de terroristas e centenas de mafiosos -principalmente da organização Costa Nostra-, Vigna acha que a resistência do Brasil em não abrir o sigilo do crime organizado pode realmente estar associado com a infiltração de criminosos nos Três Poderes. "É exatamente a minha suspeita", disse Vigna.

Flexibilização do sigilo

Em entrevista coletiva no Banco do Brasil, que patrocina o seminário, o procurador afirmou que é necessário o país adotar a convenção das Nações Unidas que flexibiliza o sigilo nas investigações. Toda a União Européia e quase todos os países árabes estão adotando a abertura do sigilo bancário, diz Vigna, e é preciso seguir a convenção. "É o que penso, não somente do Brasil, como também dos outros países que mantêm o sigilo bancário. Estou pensando nos ditos países off shore, os paraísos fiscais, que permitem ainda guardar o sigilo bancário", disse Vigna.

Para o procurador, a postura brasileira lembra os países da Europa Oriental após a derrocada da União Soviética, que proibiam o Ministério Público de investigar o crime organizado, mas que hoje começam a abrir o sigilo. Vigna criticou a possibilidade de o Ministério Público no Brasil não poder mais investigar o crime organizado, decisão que deve ser votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). "O Ministério Público deve investigar. Deve ser independente e deve investigar", disse Vigna.

O procurador Nacional Antimáfia também criticou a iniciativa do governo brasileiro em criar um Conselho Federal de Jornalismo para fiscalizar a imprensa, proposta defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Controlar a imprensa é coisa muito grave. Controlando a imprensa, vão controlar a sociedade e o voto. A liberdade do voto poderá ser `manobrada¿", afirmou Vigna.

Combate à criminalidade

Outra autoridade italiana que está no Brasil para o evento é o presidente da Primeira Comissão do Conselho Superior de Magistratura da Itália, Giovanni Salvi. Ele também defende que o Ministério Público tenha poder de investigação. Salvi admite que o acesso ao sigilo na Itália prejudicou algumas pessoas inocentes, mas foi necessário para combater o crime organizado. "O acesso ao sigilo é condição essencial para o combate à criminalidade organizada", disse Salvi.

Durante a entrevista, a secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas, apontou as principais rotas da lavagem de dinheiro no Brasil. Segundo Cláudia, a fronteira com o Paraguai é uma das principais preocupações do governo. De lá, foram enviados para o exterior R$ 30 bilhões pelo esquema do Banestado. Cláudia apontou São Paulo como uma das rotas da lavagem. Os lavadores de dinheiro também investem pesado em imóveis no Nordeste.

A ONU é uma das patrocinadoras do seminário. A consultora na área de Crime Organizado do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime, a brasileira Sandra Valle, vai falar sobre cooperação internacional contra o crime organizado. Secretária Nacional da Justiça no governo anterior, Sandra foi a principal responsável por trazer para o Brasil a fraudadora da Previdência Jorgina Fernandes e também o dinheiro desviado dos cofres públicos.

kicker: Me parece anti-histórica essa posição do Brasil com relação ao sigilo bancário