Título: Falta consenso até dentro do governo
Autor: Daniel Pere
Fonte: Gazeta Mercantil, 01/09/2004, Política, p. A-8

Disputa entre ministérios levará a alterações no projeto, que tramita no Sanado Federal. O governo precisa chegar a um consenso interno caso queira aprovar a nova Lei de Biossegurança antes do início da próxima safra, que começa a ser cultivada em outubro. Uma reunião ontem com representantes de diversos ministérios no gabinete do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), vice-líder do governo no Senado, afirmou que as divergências no Executivo são significativas, apesar de o texto ser discutivo no Congresso desde o final de 2003.

Como o Palácio do Planalto não bate o martelo sobre a questão, a tropa de choque de cada ministério continua a operar nos bastidores, pressionando parlamentares e dificultando o fechamento de um acordo. "Eu estou tentando homogeneizar os pontos divergentes", disse Suassuna, referindo-se à cristalizada oposição entre Meio Ambiente e Agricultura. Suassuna apresentará um único relatório sobre o projeto em três comissões ¿ Assuntos Econômicos (CAE), Constituição e Justiça (CCJ) e Assuntos Sociais (CAS).

A intenção é aprová-lo nas comissões na terça, dia 14, e dois dias depois no plenário da Casa, quando termina a semana de esforço concentrado de setembro. Se o cronograma for cumprido, a Câmara dos Deputados só analisará a nova Lei de Biossegurança depois das eleições de 3 de outubro e, portanto, de iniciado o plantio da safra 2004/2005. De acordo com Suassuna, o texto aprovado pela Comissão de Educação do Senado, em agosto, será modificado para atender a pelo menos uma demanda do Ministério do Meio Ambiente.

A pasta comandada pela ministra Marina Silva não concorda com a alteração que garantiu à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) poder para decidir, em última e decisiva instância, sobre os pedidos de pesquisa e comercialização de transgênicos no País. Os ministérios do Meio Ambiente, Saúde e Agricultura só opinarão sobre os processos se convocados pela CTNBio. No texto aprovado pela Câmara, a competência para autorizar os transgênicos ficava com um conselho formado por 12 ministérios.

Suassuna ainda não decidiu qual dos dois caminhos escolherá. Se ficar convencido de que a comercialização de transgênicos é uma decisão política de governo, e não científica, ficará com a segunda opção. Outro motivo de reclamação é o artigo que garante aos ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde o direito de recorrer das decisões da CTNBio apenas à próprio CTNBio. Ontem, os interlocutores de Marina afirmaram que querem uma outra "instância recursal". Suassuna entende que a CTNBio ficou muito forte, além de possuir pouca estrutura. O senador adiantou ainda que a que o pedido da tal "instância recursal" será atendido.

Na reunião de ontem, o Ministério do Meio Ambiente listou mais de quinze problemas no projeto aprovado pela Comissão de Educação. Disse, por exemplo, que o texto afasta a aplicação da Lei de Agrotóxicos sobre organismos geneticamente modificados, dá aos projetos com transgênicos exclusividade para operar sem a concessão prévia de licenciamento ambiental e modifica a composição da CTNBio de forma a garantir mais assentos para os cientistas e retirar cadeiras de ministérios envolvidos na questão.

No mesmo encontro, no entanto, representantes do Ministério da Agricultura consideraram o projeto "redondo" e pronto para ir ao plenário. "Quem não abrir mão que venha preparado para votar", afirmou Suassuna. Ele prometeu ontem que não se sujeitará às pressões de correntes religiosas para proibir as pesquisas com embriões e células-tronco. "Cada vez que a religião se mete com a ciência, como aconteceu no caso de Galileu Galilei, corre-se o risco de se cometer uma injustiça", afirmou o senador Suassuna.