Título: Agências não promovem competição
Autor: Cristina Borges Guimarães
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/12/2004, Nacional, p. A-5

Estudo da Amcham mostra também pontos positivos, como melhoria na fiscalização de serviços. A preocupação com a estabilidade dos marcos regulatórios, essencial para a atrair investimentos privados em infra-estrutura, motivou a Câmara Americana de Comércio (Amcham) de São Paulo a realizar um estudo que avalia o desempenho das agências reguladoras no Brasil.

Ontem foi divulgado o resultado das avaliações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência ¿ Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) e Secretaria de Direito Econômico (SDE).

O principal ponto negativo comum às três agências avaliadas pelo estudo é a percepção de que elas não são eficientes na promoção da competição.

Aneel

De acordo com o coordenador dos trabalhos para a avaliação da Aneel, Roberto Rudzit, da Veirano Advogados, os 17 questionários respondidos representam 65% dos agentes que atuam no segmento de distribuição de energia elétrica, 55% da transmissão e 40% da geração. Os destaques apontados por Rudzit foram a melhoria na avaliação da fiscalização da qualidade dos serviços de energia elétrica; o aumento da tecnologia disponível na agência e a percepção de que os direitos do consumidor estão estabelecidos nos atos liberados pela Aneel. "Também foi bem avaliado o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa)", informa Rudzit.

Os principais pontos negativos apontados pelo levantamento, segundo Rudzit, foram a inconsistência na interpretação de contratos, deficiências no processo de revisão tarifária e o problema da dependência financeira da agência, que limita a formação de um quadro de pessoal adequado. "A taxa de fiscalização paga pelos agentes não é integralmente repassada à Aneel", disse Rudzit, ao indicar a origem do problema.

Já o prazo de conclusão de audiências públicas, a fixação de penalidades e a transparência das decisões tiveram uma avaliação intermediária, de acordo com o coordenador dos trabalhos para a avaliação da Aneel.

Sobre a promoção da competição no setor de energia elétrica, Roberto Rudzit disse que o levantamento apontou que a concorrência ainda é considerada baixa. De acordo com o relatório, os agentes do setor não consideram as atividades de comercialização e de geração totalmente competitivas.

Principalmente no segmento de geração, nota-se certa preocupação dos agentes em relação à inexistência de um marco regulatório que promova a competição.

Existe entre os consultados pela pesquisa a percepção de que o modelo do setor elétrico adotado pelo atual governo introduz elementos ¿ como os conceitos de "energia velha" e "energia nova" ¿ que turvam o ambiente da competição.

Constatou-se também que a nova regulamentação do setor poderá trazer dificuldades adicionais à atuação da agência. A leitura do relatório permite perceber que existem dúvidas entre os agentes sobre a capacidade do novo modelo setorial de atrair o capital privado.

Anatel

O questionário da Amcham para avaliação da Anatel foi respondido por 31 operadoras de serviços de telefonia fixa, serviços corporativos, provedores de serviços de comunicação de massa (TV por assinatura), fabricantes e fornecedores de equipamentos e de tecnologia, prestadores de demais serviços e consultores do setor. O diagnóstico é de que o papel do órgão regulador foi legitimado pelo mercado, mas ainda há muito a aprimorar.

"Não houve mudança significativa na percepção em relação ao resultado do ano anterior, exceto na fiscalização, que melhorou em termos de transparência", disse a coordenadora do estudo Regina Ribeiro do Valle, do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

Os aspectos positivos avaliados pelo estudo foram a transparência da atuação da agência. "A Anatel é a agência que mais procura interagir com as demais, e tem conduzido o processo regulatório de forma adequada, sem excesso de edição de regras", mostra o relatório.

"Além disso, seus regulamentos visam a prover disciplina ao setor", acrescenta o documento divulgado ontem pela Amcham. Já os pontos negativos foram a falta de agilidade e a demora na tomada de decisões, além do tempo de resposta aos requerimentos e processos administrativos.

Também foi ressaltada a morosidade da agência na solução de conflitos e na interpretação dos dispositivos dos regulamentos, além da falta de pró-atividade quanto ao estímulo à competição.

"O quesito competição foi tratado como deixando a desejar", afirmou a coordenadora do estudo. Outra preocupação levantada por Regina Ribeiro do Valle, do Tozzini, Freire Advogados, refere-se ao preparo técnico do quadro de pessoal da agência.

Uma semelhança observada pelo coordenador dos trabalhos para a avaliação da Aneel, Roberto Rudzit, da Veirano Advogadosentre a Anatel e a Aneel é a de que "o consumidor não se sente protegido por ambas as agências".

Defesa da concorrência

O coordenador do estudo para o Sistema de Defesa da Concorrência, Marcelo Calliari, acredita que a piora na avaliação do Cade em relação à pesquisa anterior foi influenciada pelo caso da fusão das empresas Nestlé e Garoto. Os destaques entre os pontos negativos são a falta de agilidade no julgamento dos processos, o alto custo do processo, o baixo grau de informatização e o restrito relacionamento com outros órgãos reguladores.

"A relação do Cade com o Banco Central é conflituosa e ainda não se resolveu. Além disso, o Cade precisaria relacionar-se mais com a Anatel, por exemplo, que para o setor de telecomunicações substitui a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE)", disse Calliari.

Já os pontos positivos levantados foram a autonomia do Cade, o bom tratamento das informações confidenciais e a boa orientação ao mercado e consultas.

A avaliação geral da SDE, por sua vez, melhorou. "O principal ponto positivo foi a melhoria na investigação de cartéis, que era o foco da nova gestão", disse Calliari. Ele também indicou os pontos negativos: alto custo e o baixo relacionamento com outros órgãos.

Para a Seae também houve ligeira melhora. Segundo Calliari, foi o único órgão que, na pesquisa, levou a uma percepção de maior agilidade em razão da introdução de procedimentos sumários para casos simples e da melhoria na qualificação do corpo de funcionários.

A primeira edição do estudo avaliou o desempenho referente ao último ano do governo Fernando Henrique Cardoso. A edição apresentada ontem diz respeito aos resultados do primeiro ano do governo Lula. Na próxima edição, prevista para o primeiro semestre de 2005, será incluída a avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).