Título: O Brasil saiu na frente
Autor: Maurílio Biagi Filho
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/12/2004, Opinião, p. A-3

O programa de biodiesel é outro projeto de peso para o Brasil. Quando começo a escrever reflexões sobre combustíveis alternativos e seu sistema de distribuição, analistas políticos no mundo todo ainda discutem como serão os próximos quatro anos de George W. Bush na presidência do país mais poderoso do planeta.

A América nunca esteve tão à direita. Uma onda conservadora manteve Bush no poder e os republicanos venceram na Câmara, no Senado, no voto popular e, claro, no Colégio Eleitoral. Foi, como dizem os antigos no interior, "barba, cabelo e bigode".

Sobrecarregado pela cobertura das eleições americanas a que a mídia nos submeteu, percebo que fica difícil resistir a uma comparação, o que faço com orgulho. O orgulho se explica: os americanos copiaram completamente o nosso programa de energia alternativa renovável de biomassa - o etanol - e deram ao deles uma consistência invejável.

No caso das eleições, apesar de não ser do ramo, observo que o nosso sistema de urna eletrônica é o mais avançado do mundo. Não dá para entender por que os americanos ainda não o copiaram. Mas no caso do álcool, onde também somos campeões, isso já aconteceu.

O que me levou a rabiscar idéias sobre a energia alternativa foi uma reportagem que li sobre uma mistura de etanol consumida nos Estados Unidos, chamada de E85, que, embora produzida com renúncia fiscal e de já ter seu público cativo - existem aproximadamente 200 bombas de E85 e em torno de 4 milhões de veículos flex-fuel nas estradas dos Estados Unidos -, não encontra infra-estrutura para ser levada até os consumidores. Ou seja, estão quebrando a cabeça para montar lá o que temos aqui de sobra.

Ora, desde que o programa de energia alternativa foi implementado (1975) no Brasil, surgiram bombas de álcool em 26 mil postos de gasolina, e hoje já são 30 mil.

Tudo me leva a crer que, desde o início, fomos campeões tanto na produção do combustível alternativo quanto na infra-estrutura para abastecer o mercado consumidor.

Isso, levando-se em conta que nos últimos anos os produtores norte-americanos vêm aumentando sua produção de etanol à média de quase 30% ao ano, o que sinaliza que vão ultrapassar o Brasil já nos próximos meses.

E lá eles têm espaço enorme para crescer: basta sair dos menos de 5% de mistura em média e passarem a adicionar os mesmos 25% que o Brasil mistura. Só aí são quase 70 bilhões de litros adicionais, mais de cinco vezes o que produzem hoje.

Se lá lhes falta a infra-estrutura para viabilizar a crescente demanda dessa mistura de etanol, aqui, a exemplo do nosso sistema eleitoral, essa é das mais avançadas.

Sim, o país de George W. Bush logo estará alcançando o Brasil na produção de álcool combustível; ainda assim, entretanto, está longe de copiar nossa infra-estrutura, implantada graças à nossa visão estratégica de futuro, ao nosso arrojo e à coragem de governos em acreditar e incentivar a implantação de políticas públicas acertadas em parceria com a iniciativa privada.

As comparações que faço me levam a concluir que, além de sermos privilegiados por termos aqui a maior reserva florestal do mundo, outras fontes importantes de energia, como a hídrica, a eólica e a de biomassa, o Brasil também criou e desenvolveu o maior e mais bem-sucedido programa mundial de combustível alternativo renovável de biomassa do mundo.

Sem dizer que o álcool que aqui produzimos custa a metade do preço do deles, feito de milho, menos competitivo porque usam o petróleo para produzir a energia necessária ao processo de produção.

Aqui, as usinas queimam bagaço da cana e produzem energia excedente.

O programa de biodiesel é outro projeto de peso para o Brasil. Ele permitirá que a renda hoje gasta com a importação de diesel mineral fique no País e seja apropriada pela população menos favorecida.

Essa distribuição de renda que o biodiesel proporcionará evitará que os incentivos que têm de ser dados ao projeto sejam vistos como uma perda de recursos.

Será que esse novo programa de energia alternativa, ao lado do sistema de urnas eletrônicas aqui vigente, será o próximo a ser copiado pelos americanos no futuro?