Título: O Oscar de política pública
Autor: Rubens Naves
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/09/2004, Opinião, p. A-3
Em discurso proferido na abertura da Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade, em São Paulo (9/08), e em Porto Alegre em 21/08, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu um Oscar para premiar as melhores políticas públicas. Argumentou que, "se todos os prefeitos do Brasil soubessem que durante o ano inteiro haverá pessoas da sociedade civil investigando o que está sendo feito naquela cidade, isso daria um dinamismo extraordinário". O presidente tem razão e isto já acontece desde 1996. Os prefeitos brasileiros recebem o Prêmio Prefeito Amigo da Criança instituído pela Fundação Abrinq para as gestões municipais que apresentam resultados positivos na área da criança e do adolescente. O mais recente foi concedido no mês de junho, no Auditório Petrônio Portella, no Senado Federal, a 126 administrações que se destacaram entre 1.542 prefeituras que aderiram ao programa no início das gestões e que representam 40% da população de 0 a 19 anos. O Programa Prefeito Amigo da Criança, da Fundação Abrinq, patrocinado pela Fundação Ford e pela David and Lucille Packard Foundation, conseguiu, sem nenhum investimento público, atrair um em cada quatro prefeitos brasileiros que neste ano encerram suas gestões. É uma adesão extremamente representativa, pois significou não apenas uma assinatura, mas um compromisso permanente de avaliação e acompanhamento das ações de governo. Tanto que apenas 668 municípios conseguiram atravessar com êxito a complexa rede de informações e dados que o programa exigiu na elaboração do Mapa da Criança e do Adolescente 2001. Muitos prefeitos admitiram que aquele instrumento de diagnóstico foi útil para motivar mudanças administrativas. Perguntas como "Existem programas de formação ou capacitação voltados aos membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em seu município?", feitas pelo programa, sugeriram a muitos administradores uma necessidade até então sequer aventada. O diagnóstico seguinte, elaborado em 2002, trouxe consideráveis avanços em termos de ações integradas entre secretarias, trabalhos de formação continuada e capacitação e investimentos vitais na área do sistema de garantia de direitos, como a formação dos conselhos tutelares. Mas o caminho rumo ao Prêmio Prefeito Amigo da Criança traria mais um desafio para aqueles prefeitos que decidiram fazer valer, em suas cidades, a prioridade absoluta para a criança expressa no artigo 227 da nossa Constituição. Após um terceiro instrumento de análise, preenchido em 2003, as políticas de cada município foram analisadas por especialistas. Dessa última peneira saíram 126 prefeitos Amigos da Criança que foram homenageados na referida cerimônia realizada em Brasília, que contou com a presença do líder do governo no Senado, senador Aluízio Mercadante, do presidente da Câmara Federal, deputado João Paulo Cunha, entre outras autoridades. Também concordamos com o presidente quando ele sugere que a população fique atenta ao que ocorre no âmbito da gestão municipal. No entanto, o governo federal tem de fazer a sua parte. Ele é o grande articulador das políticas públicas no País e deve apoiar as gestões nos estados e municípios em suas ações para a infância e a juventude, inclusive com investimentos que correspondam às necessidades, comprometendo-se com a execução orçamentária definida. Por sua vez, a sociedade civil também tem um papel importante a desempenhar: o de alertar, mobilizar e pressionar por mudanças. Nesse sentido, a Fundação Abrinq e outras 26 organizações não-governamentais entregaram em agosto ao secretário Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, uma publicação chamada "Um Brasil para as Crianças - A Sociedade Brasileira e os Objetivos do Milênio para a Infância e a Adolescência". Trata-se de um esforço conjunto dessas organizações, que se debruçaram sobre cada uma das metas assumidas pelo atual governo diante da ONU, resposta essa motivada pelo documento "Um Mundo para as Crianças", assinado pelo Brasil em 1992. Uma das conclusões do documento é que, se forem mantidos os atuais níveis de investimento, o Brasil provavelmente alcançará apenas três das oito metas passíveis de mensuração com as quais assumiu compromisso mundial. O texto sugere ações que podem ser implementadas para que o Brasil cumpra seus compromissos internacionais. Há muito o que fazer. E a sociedade civil não se furtará ao seu papel de ajudar o protagonista principal dessa transformação, o governo federal. Que também receberá seu Oscar, se todos se derem as mãos em torno do objetivo comum de fazer valer os direitos de cidadania de nossas crianças e jovens. kicker: A sociedade civil tem um papel importante a desempenhar: o de pressionar por mudanças