Título: Idéia de editar MP seduz o governo federal
Autor: Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/09/2004, Política, p. A-10

Esta escolha ratificaria aos investidores o empenho em aprovar as parcerias e pressionaria a oposição. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda estuda a possibilidade de editar uma medida provisória (MP) para instituir as Parcerias Público-Privadas (PPP), caso o projeto de lei sobre o assunto não avance no Legislativo. Mas a idéia de recorrer à MP, lançada anteontem pelo ministro do Planejamento, Guido Mantega, foi bem muito bem recebida no Executivo, de acordo com um ministro com assento no Palácio do Planalto.

O Executivo prefere ver o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, mas se o assunto não avançar restará a edição da MP. "Pela importância que a PPP tem nesse momento em que a economia do País dá demonstração de vigor, a MP é um instrumento que não pode ser descartado", disse ontem o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), durante visita a Salvador. O projeto de lei das PPP está parado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal desde março.

A escolha deste caminho reforçaria para a sociedade brasileira e investidores, nacionais e estrangeiros, o empenho do governo em instituir as PPP. Este formato de financiamento entre o Estado e a iniciativa privada foi eleito pela equipe econômica como o principal mecanismo para garantir investimentos de infra-estrutura no País.

De acordo com o governo e empresários a PPP é essencial para resolver os gargalos capazes de prejudicar o desenvolvimento sustentado da economia brasileria. "Os números de crescimento do PIB reforçam ainda mais a necessidade urgente investirmos em infra-estrutura", afirma Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib).

De acordo com o IBGE, a produção de bens e serviços avançou 4,2%, no primeiro semestre, em relação ao mesmo período do ano passado. Neste contexto, os cálculos conhecidos no meio empresarial apontam que o Brasil precisaria investir US$ 20 bilhões, ao ano, em transportes, telecomunicações, saneamento, e óleo e gás para evitar um colapso grave na infra-estrutura.

Entretanto, a previsão do Ministério do Planejamento tocar obras, através de parcerias, no valor de R$ 5 bilhões este ano, fica a cada dia mais distante. Até porque, mesmo se o tema for tratado por medida provisória de imediato, vários pontos precisaria de regulamentação.

Apesar do interesse em apressar a aprovação da proposta que está no Senado, o presidente da Abdib reconhece a dificuldade de convencer os parlamentares a destravar o texto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). "Mesmo assim, a nossa preferência é por esgotar todas as tentativas de negociação com o Congresso, pois trata-se de uma matéria complexa", pondera Paulo Godoy.

"De qualquer forma, seja por MP ou pelo prosseguimento do debate em torno do texto do Senado, está evidente que o País não pode abrir mão de melhorar as formas de financiamento da infra-estrutura", prossegue Paulo Godoy. Ele aproveita para rebater as críticas da oposição, em especial do PSDB, de que as PPP poderiam abrir brechas para corrupção.

Afinal, os projetos de obras por parcerias teriam de ser aprovados pelo Legislativo. Tanto no Orçamento da União quanto no Plano Plurianual (PPA). "Haveria um processo de licitação, que a oponião pública e os interessados poderão ter o conhecimento necessário para evitar irregularidades".

Pressão

Além disso, segundo a análise de um interlocutor do Palácio do Planalto, a possibilidade de edição da MP pressionaria a oposição a retomar, no Congresso Nacional, o debate sobre o projeto de lei. Caso o PSDB e o PFL não negociem com a base aliada, o governo resolveria a questão pelo mesmo instrumento usado para criar o novo modelo do setor elétrico.

A oposição teria, então, de obstruir a pauta ou derrubar a medida provisória. Ficaria com o ônus de impedir a solução dos problemas de infra-estrutura do País, justamente em um momento de crescimento da economia, de acordo com a análise predominante ontem no Planalto.

A única semana de esforço concentrado de setembro será decisiva para o governo fechar questão sobre o tema. Mas na prática a maioria dos envolvidos no tema, inclusive os empresários, entendem que o projeto tem reais chances de andar apenas depois do pleito eleitoral, de outubro. O presidente da CAE, senador Ramez Tebet, avisou mais de uma vez que a falta de consenso sobre o texto é forte. E, portanto, o projeto precisaria de ajustes a fim de ser votado na Casa Alta do Legislativo.

Nas últimas semanas, representantes da iniciativa privada e o Executivo tentaram diminuir o clima de disputa política. Mas a tentativa foi em vão. O governo acusa seus adversários de obstruir o texto por razões políticas. Os oposicionistas não estariam dispostos a "dar" aos aliados do Palácio do Planalto mais notícias boas na área econômica, que favoreceriam as candidaturas do campo governista nas prefeituras.

Já a oposição diz que o texto é um convite a desrespeitos às leis de Licitação e de Responsabilidade Fiscal. Neste ponto, o governo responde que está disposto a negociar ajustes e pede sugestões de mudanças. Mas de fato não surge o que poderiam ser reescrito na lei.

Entre os pontos de mair discórdia desponta a qualificação das despesas decorrentes dos contratos que fariam parte das PPP. O governo não aceita que sejam computadas como dívida, o que praticamente inviabilizaria o fechamento de contratos, uma vez que o nível de endividamento da administração, em geral, está no limite.

A oposição defende o contrário, pois não aceita que os futuros governantes assumam sob o risco de bombas de efeito retardado."Essa versão monstruosa que está aí não passa nem neste século. Não podemos permitir que uma bomba caia no colo do futuro presidente", diz o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM). Para o governo, se o projeto fosse tão ruim, três governadores tucanos não teriam aprovado PPP estaduais - São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

Pelo menos no discurso, o governo está disposto a conversar e a aperfeiçoar pontos criticados pela oposição. "Não acho que há falta de responsabilidade fiscal no projeto, mas mesmo assim não custa colocar outros artigos para reforçar o instrumento. Agora, a oposição tem de estar disposta a negociar", afirma Mantega.

kicker: Infra-estrutura precisa de investimentos de US$ 20 bilhões ao ano, apontam empresários

kicker2: Iniciativa privada e Executivo reconhecem que o calendário eleitoral atrasa a tramitação