Título: Corte não decide se MP pode investigar
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/09/2004, Legislação, p. A-15

Mais um pedido de vista -dessa vez do ministro Cezar Peluso- interrompeu a conclusão do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se o Ministério Público (MP) pode conduzir investigações criminais, sem observar a norma constitucional que assegura às polícias civis (polícia judiciária) a apuração de infrações penais, em inquéritos específicos. O placar já estava em três a dois a favor da competência do MP de promover diretamente investigações antes de propor ações penais, com os votos ontem proferidos pelos ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ayres de Britto. Os ministros Marco Aurélio (relator) e Nelson Jobim haviam votado em sentido contrário, em sessão plenária de outubro do ano passado, quando Joaquim Barbosa pediu vista.

A definição dos limites investigatórios do MP está sendo discutida num inquérito em que a instituição pretende o recebimento, pelo STF, de denúncia contra o deputado licenciado Remi Trinta (PL-MA), acusado de supostas fraudes contra o Sistema Único de Saúde (SUS), estimadas em cerca de R$ 700 mil, em benefício de uma clínica de sua propriedade, situada em São Luiz. A defesa do parlamentar, além de tentar provar sua inocência, alega que a denúncia não tem validade jurídica, por ser resultante de investigações do Ministério Público Federal, no Maranhão, sem que tenha havido nenhum inquérito policial.

O plenário do STF estava lotado, com a presença maciça de representantes das associações do MP e dos policiais civis e federais, quando o ministro Joaquim Barbosa iniciou a leitura de seu voto-vista. De acordo com Barbosa, o inquérito policial é procedimento exclusivo da polícia judiciária, mas a "elucidação dos crimes não se esgota no âmbito policial". Portanto, nada impediria o MP -"titular da ação pública e destinatário natural dos inquéritos policiais"- de fazer investigações e depois oferecer denúncias.

O ministro Eros Grau foi taxativo ao afirmar que "o MP não pode instaurar inquérito policial, que é apenas uma das modalidades da investigação criminal, mas pode apresentar denúncia independentemente de inquérito". Ainda segundo ele, a redução da amplitude de atuação do MP beneficiaria, sobretudo, o crime organizado e os criminosos de "colarinho branco". Ressaltou que a Constituição dá ao MP, inclusive, a competência do controle externo da polícia, e citou como uma das modalidades de investigação criminal o trabalho das CPIs, que pode e deve ser usado como base para futuro inquérito penal. O terceiro a votar, ministro Ayres de Britto, afirmou que como promotor de justiça, o MP não pode ter papel de `bobo da corte¿, estando autorizado pela Constituição a promover quaisquer medidas para assegurar seu papel de guardião de todos os direitos previstos na Carta, inclusive com o poder de polícia. "Não se trata de concentrar o papel investigatório do MP, mas de desconcentrar o poder de investigação das polícias."

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino -também responsável pela investigação das supostas fraudes do deputado Remi Trinta- considerou "irretocável" o voto do ministro Grau. A seu ver, a tendência do STF é admitir "base constitucional" para a investigação criminal promovida pelo MP, embora falte legislação específica.