Título: Muito barulho, pouca solução
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Fonte: Correio Braziliense, 13/04/2011, Brasil, p. 10

A retomada de um plebiscito sobre a venda de armamentos entra na ordem do dia no Congresso, mas parlamentares engavetaram todos os projetos da CPI do Tráfico de Armas, iniciada em 2006.

Renata Mariz Ana Elisa Santana Josie Jeronimo

Rápido no gatilho na hora de anunciar medidas enérgicas de segurança pública sempre que um crime ganha repercussão nacional, o Legislativo brasileiro peca pela lentidão em implementá-las. O trabalho mais importante realizado pelos congressistas nos últimos quatro anos com relação ao desarmamento, tema reacendido depois que 12 crianças foram assassinadas por um atirador em uma escola do Rio de Janeiro, a CPI do Tráfico de Armas terminou sem avanços práticos. Passados quase dois anos de trabalho, dezenas de depoimentos colhidos e algumas prisões efetuadas, o colegiado propôs, em 2006, 18 projetos de lei para disciplinar o uso de armas de fogo no país. Nenhum foi aprovado até o fim da legislatura, em dezembro do ano passado, o que levou ao arquivamento de todas as propostas. Na segunda-feira passada, o relator da CPI, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), solicitou o retorno da tramitação das matérias.

Em um Brasil onde 903 habitantes, a cada mil, temem ser assassinados, segundo estudo divulgado há 15 dias pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o medo é de que, mais uma vez, a disposição demonstrada por parlamentares nos últimos dias em tomar providências importantes para a segurança pública no país não passe de jogo de cena. Apesar da falta de consenso, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), garantiu, ontem, que apresentará projeto de decreto legislativo sugerindo a realização de plebiscito para uma nova consulta popular sobre a proibição da venda de armas no país ainda em outubro deste ano. Se conseguir as 27 assinaturas necessárias, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) poderá analisar o projeto hoje mesmo, que depois precisa passar pela Câmara.

O líder do PSDB na Casa, Álvaro Dias (PR), afirmou que os tucanos são favoráveis à ideia, mas ressaltou que o último plebiscito custou R$ 400 milhões e não há previsão orçamentária para consultas neste ano. Ele sugeriu que fosse adiado para 2012. O senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse ser contrário à produção de leis durante momento de comoção nacional. ¿Pode-se conseguir maioria durante a situação de pânico, mas eu sou contra qualquer tipo de legislação de pânico¿, criticou. O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), também se mostrou contrariado com a insistência de Sarney em levar o plebiscito adiante. ¿É sempre ruim tomar decisões no calor e na emoção de um fato ocorrido¿, disse.

No Executivo, com a presidente Dilma Rousseff longe, a falta de consenso continua. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, esquivou-se de responder diretamente se é contra ou a favor de uma nova consulta. ¿A iniciativa do presidente do Senado tem que ser debatida. A ideia do Ministério da Justiça não é ter uma posição de imposição de ideias¿, disse. Já a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário (PT-RS), manifestou-se completamente favorável.

Longe da seara política, Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), não acredita na necessidade de um plebiscito imediato, mas defende outras medidas importantes que podem ajudar no combate à violência. ¿Proibir a venda de armas curtas para civis, por exemplo, seria uma boa iniciativa, sem ser preciso mexer no Estatuto do Desarmamento e, portanto, fazer um novo referendo¿, diz Cano. Ele vê o atual momento como uma oportunidade de mudanças, inclusive no que diz respeito à intensificação da campanha de entrega voluntária de armas, antecipada pelo Ministério da Justiça para 6 de maio, com o objetivo de diminuir as 35,5 mil mortes por armas de fogo registradas em 2009, dado oficial mais atualizado de homicídios.

Um dos 35,5 mil brasileiros que morreram baleados naquele ano, o serralheiro Romildo Firmino, 39, deixou dois filhos adolescentes. A irmã, Rute*, emociona-se até hoje ao lembrar do fatídico dia. ¿Minha irmã me ligou e disse: `Aconteceu uma tragédia¿. Aí, eu já senti que tinha sido ele. Aquilo foi uma punhalada¿, recorda. A tristeza aumenta quando Rute fala da falta de apuração do crime por parte da delegacia. Sem saber a razão do crime, ela defende a extinção de artefatos de fogo entre a população civil. ¿Se não fosse uma arma, nada disso teria acontecido. O que ele deixou foi muita saudade¿, lamenta.

*Nome fictício a pedido da entrevistada.