Título: Profissionalização do agronegócio
Autor: Anibal Wahid
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/09/2004, Opinião, p. A-3

A espinha dorsal do agronegócio no Brasil e na América Latina tradicionalmente tem sido caracterizada pela atuação de empresas familiares. Em economias mais desenvolvidas, o mercado de capitais costuma ver os negócios controlados por famílias com restrições: em geral, os membros da família estão mais preocupados com seus próprios interesses do que com os da empresa. Muitos dos atributos das empresas familiares de agronegócio têm sido responsáveis pelo seu relativo sucesso no Brasil. Sua estrutura sem formalidades, por exemplo, facilita a tomada rápida de decisões, ponto fundamental em um país caracterizado pela forte instabilidade econômica e política. No entanto, o jogo está mudando no mercado brasileiro em razão da competição provocada pela entrada de companhias multinacionais. Alguns competidores locais descobriram que simplesmente não estão preparados para os ataques das empresas estrangeiras, as quais contam com forte time executivo, fácil acesso ao capital necessário e habilidades para oferecer produtos e serviços a preços mais baixos. Conseqüentemente, o setor de agronegócio brasileiro corre o risco de perder sua vantagem competitiva ou se transformar em alvo para competidores mais fortes. Os investidores globais reconhecem a importância e a força desse setor no Brasil e estão ávidos para participar dele com seus eficientes players, encorajando-os a atingir níveis de profissionalismo e padrões de qualidade mundiais. Os fundos de private equity mundiais estão trabalhando com grupos familiares para alcançar um patamar superior de atividades. Essa tendência, que começa a se delinear com mais força no mercado brasileiro, pode ser constatada pelo crescente número de consultas de empresas e investidores interessados em aplicar capital no agronegócio ou ainda dispostos a se associar ou adquirir companhias nessa área. Empresas controladas por grupos familiares nesse setor tendem a ter uma estrutura de governança mais fraca e menos formal, ajustando-se à legislação e tornando possível a condução do negócio visando os objetivos familiares. Como resultado, muitos negócios podem postergar o processo sucessório na empresa, motivados sentimentalmente pela tradição e patrimônio familiar, em especial aqueles que perpetuam seu nome e sua posição na comunidade. Embora segmentos como os da produção de suco de laranja e soja tenham passado por um processo inicial de profissionalização da gestão, decorrente inclusive da concentração de pequenas companhias, ainda são raros os casos em que a condução dos negócios não está a cargo direto das famílias detentoras. Os fundos de private equity e investidores institucionais, em geral, são um importante endosso à profissionalização. Esse fato colocou em evidência o processo de transição pelo qual o setor passa, rumo à sua profissionalização, o que inclui tanto a gestão quanto a descoberta de mecanismos de financiamento e remuneração já empregados em outros setores de atividade. Essa profissionalização é um dos desafios que se impõem a um setor cujas empresas estão interessadas em crescer, buscar formas de financiar a aquisição de novas atividades e inclusive reestruturar suas dívidas, bastante concentradas hoje no curto prazo. Os fundos de private equity, com suas expectativas de retornos de médio e longo prazos em empresas de rápido crescimento e de alto potencial, são, definitivamente, nova alternativa para as empresas familiares de agronegócio no Brasil. Compreendendo os benefícios e a perspectiva de um sólido investimento, o agronegócio, por sua vez, está cada dia mais disposto a valorizar esse tipo de parceria, não apenas considerando os fundos como potenciais financiadores, mas também importantes agentes para uma mudança de atitude na "arrumação da casa" e para tornar o setor mundialmente competitivo. Enquanto o crescimento e o sucesso dessas companhias dependem muito do investimento dos fundos de private equity, o aspecto não-financeiro trazido pelas empresas de private equity são também uma importante contribuição. Muitos executivos das empresas de private equity têm uma vasta experiência. Muitos atuaram na indústria e outros têm um background financeiro, mas o mais importante é que todos possuem experiência em financiamentos e em ajudar empresas numa fase de desenvolvimento e crescimento. Empresas líderes de agronegócio nos EUA e Europa têm tido sucesso mantendo o negócio em mãos das famílias que as fundaram, em alguns casos, por até seis gerações. Essas empresas abriram suas mentes e aceitaram ajuda externa. Se os grupos familiares do agronegócio brasileiro seguirem a rota de profissionalização e parceria, podem assegurar sua sobrevivência e garantir uma boa chance de prosperidade para explorar suas vantagens diferenciais locais e globais. kicker: Empresas familiares do setor sob a ameaça da concorrência de multinacionais