Título: Interação Apec e Mercosul
Autor: Ricardo Lagos
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/09/2004, Opinião, p. A-3

Países do Pacífico reúnem-se em novembro, no Chile. Quando, em 20 e 21 de novembro próximo, os líderes do Fórum para a Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec) se reunirem no Chile, será a primeira vez que essa reunião de cúpula se realizará na América do Sul. Isto é, três meses mais e os condutores dessa nova ebulição de desenvolvimento que se instalou em torno do Oceano Pacífico estarão mais próximos de nós, dessa região sul do planeta. Virão nos ver, falar de suas políticas e definir oportunidades. O encontro oficial será no Chile, mas os seus olhos estarão voltados para a região e vários deles irão ao encontro dos nossos vizinhos. Chegarão ao Chile mandatários das principais economias do globo como Canadá, China, Estados Unidos, Japão e Rússia. Um grupo de fortes economias emergentes - como Coréia do Sul, Tailândia, Malásia, Austrália, Nova Zelândia e Vietnã - se reunirá a eles. Da América Latina estarão presentes México e Peru, que, junto com o Chile e outras nações, integram uma entidade de 21 economias, como oficialmente são chamados os seus membros na Apec. Ao Chile foi confiada a tarefa de conduzir os trabalhos da Apec em 2004, o maior desafio dessa natureza que devemos levar adiante. E o assumimos pensando não só nos 4 mil e tantos quilômetros com os quais o Chile abraça o Pacífico, mas também na potente economia sul-americana à qual estamos vinculados e a partir da qual projetamos nossa presença internacional. Sabemos que nosso atrativo não está apenas nos méritos que fomos capazes de construir com uma política de abertura ao mundo e com avanços significativos em alguns tratados de livre comércio, como também esse atrativo se baseia na vizinhança na qual nosso país atua. E é nessa conjuntura que vemos como, em razão desse encontro, se produzem novos vínculos e possibilidades para a interação entre a Apec e o Mercosul. Dissemos no encontro semestral do Mercosul, em Montevidéu, em dezembro passado, e o reiteramos em Assunção: com a Apec vêm diversas reuniões ministeriais, teremos a presença de grandes empresários de influência mundial, haverá a proximidade de autoridades de grande peso no comércio internacional. Tudo isso cria uma rede de possibilidades simultâneas para essa região do mundo como poucas vezes tivemos. Isso coincide com um momento em que o Mercosul parece haver seguido um caminho de maior presença e solidez, sobretudo depois do encontro de Iguaçu. A Argentina primeiro e, agora, o Brasil, imprimiram, neste ano, uma marca política às decisões e à marcha do Mercosul. Todos sabem quanto entusiasmo desperta no Chile ver esse acordo não só como uma instância de relações comerciais, como também de iniciativas e estratégicas políticas. Estamos convencidos de que, se articularmos com seriedade nossas economias e com compromisso na busca de coesão social e firmeza para pôr ordem na globalização, nos verão com outros olhos. E é com isso e a partir disso que o Chile põe sobre a mesa da região a sua experiência na Apec e a potencialidade desses vínculos. Há dez anos, em 1994, nos incorporamos como membros plenos desse fórum cuja meta é impulsionar o livre comércio como grande oportunidade para crescer e oferecer mais bem-estar a sua gente. É um agrupamento singular, em que se avança por consenso, o qual reúne mais de 2,5 bilhões de pessoas e quase 50% do comércio mundial. Em seus primeiros dez anos gerou cerca de 70% do crescimento econômico global, o que a converte na região mais dinâmica do ponto de vista econômico de todo o planeta. Mas foi também há dez anos que, na Conferência de Cúpula de Ouro Preto, realizada em dezembro de 1994, foi aprovado o Protocolo Adicional pelo qual foi estabelecida a estrutura institucional do Mercosul e ele foi dotado de personalidade jurídica internacional. A ele se somou o Chile, em outubro de 1996, como país associado para trabalhar com entusiasmo em cada uma das suas instâncias. Há obstáculos no caminho, mas sabemos muito bem de outras experiências, que dificuldades dos projetos de integração se solucionam com realismo, com planos concretos e com mais integração. É dessa marcha paralela que emerge nosso entusiasmo em ser ponte entre uma e outra realidade econômica. Sabemos que, quando na China, Japão, Coréia e outros países nos perguntam sobre nossos portos, sobre nosso ambiente de negócios, sobre nossas facilidades tecnológicas e bancárias para servir de país-plataforma, estão olhando não só o que somos como país de 15 milhões de habitantes. Estão vendo também a imensidão dessa energia produtiva existente além da Cordilheira dos Andes. Chile e Coréia do Sul subscreveram o primeiro Tratado de Livre Comércio entre um país asiático e um de fora daquela região. Ali se abriu uma dimensão transpacífica de grande alcance que não exclui os vínculos com os países do Mercosul, especialmente com os seus grandes mercados. Quando Argentina e Brasil vêem que se exige ao máximo de suas capacidades produtivas de soja para enviar à China e a outros mercados asiáticos, sabem que os "corredores bioceânicos" e os portos adequados e eficientes para cruzar o Pacífico são essenciais em suas estratégias de crescimento. E isso é exemplo, como muitos outros, também no sentido do Pacífico para o Atlântico. Não é um dado de segunda importância que, às vésperas deste grande encontro no Chile, os presidentes de Brasil e Argentina tenham visitado - com poucas semanas de diferença - as autoridades da China. E ali tenham falado em termos de longo prazo e expressado pontos de vista coincidentes que, como nós também acreditamos, são essenciais para dar força à nova rodada de negociações multilaterais de comércio devido ao seu impacto no desenvolvimento de todo o mundo, mas especialmente no de países como os nossos. O que ocorrer neste ano na Apec será determinante para os planos da entidade e também para o futuro do comércio mundial. Queremos que a Organização Mundial do Comércio (OMC) avance, queremos um comércio mais livre e justo no mundo, e esse será um tema ineludível nos debates deste ano no Chile. E nessas deliberações a presença dos países integrantes do G-20 se transformou em um fator determinante. Como bem se disse, os avanços de 1 de agosto na OMC foram conseqüência do predomínio do sistema multipolar como marco das negociações. E, na marcha rumo ao acordo que buscamos para o comércio mundial do século XXI, o diálogo entre entidades regionais será essencial. É aí onde as contribuições da interação entre a Apec e o Mercosul surgem como aportes de uma estratégia maior, que integre o internacional com a realidade do interior de nossos países. Aqui somos nós que devemos assegurar que, ao crescer graças a mais comércio, os seus resultados cheguem a quem mais deles necessita. É nessa opção que as políticas públicas desempenham um papel essencial para combater as desigualdades e promover direitos e oportunidades para todos. kicker: Vizinhança em que atua também contribui para tornar o Chile atraente kicker2: O que ocorrer neste ano na Apec será determinante para o futuro do comércio mundial