Título: AGU revê súmulas para evitar novas ações contra o governo
Autor: Daniel Pereira
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/09/2004, Legislação, p. A-9

"Não adianta recorrer a espertezas que serão esqueletos no futuro". A Advocacia-Geral da União (AGU) está realizando uma operação pente-fino nas decisões da justiça e reescrevendo suas próprias súmulas a fim de prevenir a apresentação de novas ações contra o governo e evitar que o Poder Público prolongue uma série de disputas em curso, se o impacto no erário permitir. O trabalho visa a desafogar os tribunais superiores, que têm como clientes preferenciais os entes federais, responsáveis por 65% dos processos autuados no Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, pode acabar com uma realidade no mínimo constrangedora vivenciada atualmente -o Judiciário define a derrota do governo em determinada demanda judicial, a AGU deixa de propor recursos para adiar o desfecho do caso, mas a Administração Pública se nega a cumprir a decisão e a respeitar o direito conquistado pela população. "Nós ainda não temos os números, mas provocará uma redução considerável do estoque das ações", diz o titular da AGU, ministro Alvaro Augusto Ribeiro Costa, referindo-se ao trabalho em curso.

Na prática, a AGU está reescrevendo as súmulas. Até julho deste ano, elas previam que a União não apresentaria novos recursos em disputas judiciais já definidas pelos tribunais superiores a favor da outra parte no processo. Mas não deixavam claro para a Administração Pública a obrigatoriedade de pagar o direito conquistado por contribuintes, empresas e servidores públicos. Como em muitos casos não houve o acerto de contas, a parte que derrotou a União teve de voltar ao Judiciário.

No novo modelo de súmula, a AGU reconhecerá o "direito" de quem venceu a União na Justiça. Ribeiro Costa garante o pagamento da dívida porque as novas súmulas só serão editadas se os órgãos do governo envolvidos no caso concordarem com elas. Determinado direito de reajuste nos benefícios de aposentados, por exemplo, só será "sumulado" caso o Ministério da Previdência concorde. Em caso contrário, a situação constrangedora persistirá. "Nem sempre as decisões do STF terão efeito direto imediato. O passivo tem de ser compatibilizado com o caixa", afirma.

Até agora, apenas uma súmula foi editada nos novos moldes. Batizada de nº 21, de 19 de julho de 2004, ela diz que: "os integrantes da Carreira Policial Civil dos extintos Territórios Federais têm direito às gratificações previstas no art. 4º da Lei 9.266, de 15 de março de 1996, concedidas igualmente aos Policiais Federais". Os ministérios da Defesa, da Previdência e do Planejamento já foram consultados sobre a possibilidade de edição de outras 10 súmulas. Uma das propostas é assegurar direito à concessão de pensão instituída por militar, falecido antes da Constituição de 1988, a seu companheiro ou companheira.

De acordo com Ribeiro Costa, as limitações financeiras do governo não impedirão o "saneamento do estoque litigioso". "Não adianta recorrer a espertezas que serão esqueletos no futuro", diz ele, para explicar por que a Administração será beneficiada se pagar o mais rápido possível um direito reconhecido na Justiça. "É um trabalho cultural que nós temos de desenvolver", acrescenta. Ribeiro Costa promete realizar um mutirão no STF para identificar decisões que podem ser alvos do novo tipo de súmula. Para que a sociedade tome conhecimento de eventuais mudanças, os textos serão publicados durante três dias consecutivos no Diário Oficial da União.