Título: Enfrentar as desigualdades regionais
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Fonte: Gazeta Mercantil, 08/09/2004, Opinião, p. A-3

Um novo mapa da miséria no Brasil acaba de ser desenhado e mostra que no período de 1970 a 2002, somente na Região Sul, houve recuo significativo da proporção de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza no conjunto da população. Esse contingente caiu de 15,35% para 6,57% nos três estados do Sul.

Na Região Sudeste, a mais desenvolvida do País, a miséria diminuiu de 21,96% para 17,58% no período, quando são expurgados os dados referentes ao município de São Paulo. Na maior cidade da América do Sul, a proporção de pobres aumentou de 14,3% para 19,64%. A pobreza também cresceu acentuadamente na Região Norte do País, saltando de 4,37% para 11,93% da população.

No Nordeste urbano a pobreza manteve-se praticamente estável: de 38,54% da população, em 1970, a proporção de pobres evoluiu para 39,06% em 2002. Mas houve importante recuo da miséria entre a população rural dos estados nordestinos: de 23,5% para 10,7%. Esse fato positivo é explicado pela abrangência maior da previdência pública no País, que garante condições de sobrevivência a milhares de famílias nas áreas rurais não só do Nordeste.

Da mesma forma, a Região Centro-Oeste não registrou variação expressiva da pobreza no período: 5,22% em 2002, em comparação com 5,48% em 1970. Essa estabilidade da miséria contrasta com o vigoroso crescimento da região, impulsionado pelas atividades ligadas ao agronegócio.

Esses dados foram trazidos à luz por uma pesquisa realizada pela coordenadora de Projetos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), Sônia Rocha. As conclusões do trabalho serão apresentadas amanhã durante o Minifórum Nacional, evento programado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para comemorar os 40 anos da criação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Especialistas de diversas áreas e tendências terão a oportunidade de debater a evolução da questão social nos últimos 50 anos e a possibilidade de o País ingressar num ciclo de desenvolvimento sustentado. Evidentemente, os temas se inter-relacionam.

"Fazer o bolo crescer para reparti-lo" é um bordão sepultado pela História. Em nosso entender, é impossível crescer de forma sustentada sem políticas públicas que permitam a redução da pobreza a níveis civilizados e o estreitamento do fosso que separa a minoria mais rica da maioria mais pobre. Não se trata apenas de criar condições de vida mais humanas para o conjunto da população, mas também de expandir o mercado interno, com a ampliação da capacidade de consumo das famílias brasileiras.

É mais do que sabido que a concentração da renda ¿ causa primordial da existência de bolsões de miséria mesmo nas áreas mais desenvolvidas ¿, torna-se ainda mais perniciosa e perigosa quando se traduz também no aumento das desigualdades regionais. Não se pode desprezar a possibilidade, mesmo numa perspectiva de longo prazo, de que esses desequilíbrios venham até a favorecer a germinação de sentimentos e de movimentos ameaçadores à unidade nacional.

O tão sonhado crescimento sustentado somente será alcançável a partir de um Projeto Nacional, que contemple objetivos de longo prazo. Qualquer discussão sobre desenvolvimento deve, primordialmente, abordar o papel do Estado num país com as condições do Brasil. É fora de dúvida, que a história recente também sepultou de vez o mito de que o mercado tudo resolve.

O Estado tem e terá, sim, um papel fundamental no desenvolvimento econômico. Contudo, é necessário que se discuta qual o tamanho do Estado e qual a abrangência de sua atuação. Ou seja, a sociedade brasileira em seu conjunto precisa discutir e implementar uma ampla reforma do Estado, nos seus três níveis.

Longe de ser um estimulador, o Estado brasileiro tem sido um inibidor do desenvolvimento, porque se apropria da poupança nacional para cobrir despesas do setor público sempre em crescimento. Pouco sobra para investimentos, inclusive na área social. Não é por outra razão que a carga tributária do País é uma das mais elevadas do mundo, quando se calcula sua proporção sobre o PIB.

O caminho é obviamente o crescimento econômico, mas não da forma que conhecemos em décadas passadas, do chamado "milagre". Por meio de investimentos bem direcionados, não de assistencialismo, o crescimento deve beneficiar todas as classes sociais, e não apenas os mais ricos. Esta não é uma tarefa a ser realizada de um dia para o outro, mas é preciso que seja enfrentada sem mais tardar.

kicker: Desequilíbrios podem favorecer a germinação de movimentos que ameacem a unidade nacional, o grande patrimônio do Brasil