Título: Consumidor antecipa negociação e nível de inadimplência cai
Autor: Luciana Otoni
Fonte: Gazeta Mercantil, 06/09/2004, Finanças, p. B-2

O consumidor inadimplente começou mais cedo este ano a limpar o nome e a recuperar seu poder de compra. A reabilitação do crédito, tradicionalmente negociada em outubro e novembro, foi antecipada para julho e agosto e tende a se acelerar nestes últimos meses do ano. A retomada antecipada da condição de consumo veio acompanhada de um segundo indicador positivo: um número maior de clientes tem procurado as lojas e financeiras para quitar os débitos em atraso.

Essa combinação positiva, inédita nos últimos anos, injetou otimismo no setor varejista, que espera para o fim deste ano um Natal mais robusto do que as compras de lembrancinhas. Lojistas e profissionais que lidam com o crédito apontam que neste fim de ano o consumidor está mais seguro em assumir dívidas de maior valor. Esse cenário, dizem, somente será alterado se os juros aumentarem.

"A movimentação das pessoas para pagar dívidas e limpar o nome começou em maio. Julho e agosto foram meses bons e esperamos que isso se acentue mais", afirmou Celso Amâncio, gerente nacional de Crédito da Casas Bahia, rede varejista com uma carteira de nove milhões de clientes ativos e 378 lojas. Em outubro, a Casas Bahia fará uma ofensiva no Rio Grande do Sul com a abertura de 10 lojas em Porto Alegre até dezembro.

"Há no mercado uma necessidade de consumo reprimida e se mantivermos esse clima de geração de emprego e melhora das condições de vida a tendência é de expansão das compras", complementou Celso Amâncio. Entre janeiro e junho, a Casas Bahia faturou R$ 3,5 bilhões, 58% acima do resultado de 2003. A rede espera encerrar o ano com uma receita de R$ 8 bilhões.

A recuperação do poder de compra, provocada em sua maior parte pela ampliação da massa salarial gerada pela maior oferta de empregos, levou a financeira Losango a antecipar de outubro para setembro a sua campanha de negociação de débitos em atraso. "A melhora dos indicadores do emprego provocou, entre julho e agosto, uma reação espontânea do consumidor em quitar débitos e queremos aproveitar essa tendência", informou o diretor de cobrança da Losango, Leonardo Santanda.

Na Losango, a recuperação dos débitos com mais de um ano de atraso ficou 30% maior entre janeiro e agosto deste ano em comparação a igual período de 2003. O índice de inadimplência da financeira, que se manteve em 10% nos últimos anos, deverá encerrar 2004 em 8,5%. A reação positiva, sentida desde o início de 2004, mas intensificada entre maio e agosto, alimentou a disposição da Losango em investir. O número de filiais será ampliado de 150 para 300. "Quando vemos clientes com dívida em atraso de até um ano liquidando débitos, como também vem ocorrendo, isso mostra que ele começa a trabalhar com o horizonte maior que o curto prazo. Esse consumidor quer pagar as dívidas para assumir novos créditos", avaliou. No grupo dos indicadores positivos, Leonardo Santanda citou também os empregos temporários oferecidos pelas campanhas das eleições municipais como geradores de maior liquidez no mercado.

Os números do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) confirmam o movimento de reabilitação antecipada do poder de compra do consumidor. De janeiro a agosto deste ano, o percentual líquido de exclusão de registros de débitos em atraso do SPC fechou em 12,98%, indicador 50% superior ao verificado em igual período de 2003. Esse percentual representa a saída líquida (saldo da exclusão menos a inclusão de registros) de 18,292 milhões de registro do banco de dados do SPC, formado por 140 milhões de registros.

Em julho, o percentual foi de 17,52% (saída líquida de 5,800 milhões de registros do SPC) e em agosto subiu para 18,43% (saída líquida de 6 milhões de registros do SPC). "O consumidor ingressa no fim do ano com uma auto estima maior, ele está mais seguro em assumir débitos. Esperamos pelo melhor Natal dos últimos anos", previu o presidente do SPC Brasil, Edson Monteiro.

Apesar de um ano auspicioso, pesa sobre o cenário otimista a sombra de uma possível alta da taxa básica de juros (Selic), fixada em 16% ao ano desde abril. "Existe uma ansiedade, uma preocupação do varejo com possibilidade de o governo puxar os juros", concluiu Monteiro.