Título: Auto-estima foi mote da comemoração
Autor: Romoaldo de Souza e Gisele Teixeira
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/09/2004, Política, p. A-6

O desfile de 7 de Setembro foi marcado por momentos de emoção quando o maratonista Vanderlei Cordeiro abriu a parada cívico-militar carregando a bandeira do Brasil. O atleta foi recebido de pé, ao som do Tema da Vitória, a música usada durante as corridas de Fórmula 1 na época do piloto Airton Sena. A festa teve a participação de 5,5 mil militares e 2 mil civis, as acrobacias da esquadrilha da fumaça, os sempre reverenciados veternados da Segunda Guerra, atletas paraolímpicos, estudantes e bailarinos.

Um forte esquema de segurança foi montado pelo Palácio do Planalto para proteger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou à Esplanada em carro aberto ¿ o mesmo Rolls-Royce usado no dia da posse ¿ ao lado da mulher, Marisa Letícia. Sentado ao lado do primeiro-ministro de Portugal, Pedro Santana Lopes, e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, Lula enfrentou o primeiro momento de tensão, quando o general-de-divisão Rui Alves Catão, Comandante Militar do Planalto, pediu autorização para dar início ao desfile e o microfone sem fio do presidente falhou.

Recomposto, Lula autorizou o general, com um pequeno gesto e puxou conversa com Jobim para contrastar com o constrangimento ao qual foi submetido no desfile do ano passado. Lula e o então presidente do STF, Maurício Corrêa, trocavam farpas pela imprensa e assistiram à parada militar sem dar uma palavra um com o outro.

A operação montada pela Secretaria de Comunicação de Governo (Secom) para transformar o Dia da Independência numa festa popular agradou o ministro da Casa Civil, José Dirceu. "O povo brasileiro é o melhor que nós temos. É um povo mundializado, porque somos africanos, índios e europeus e é bom comemorar. Pela nossa cultura, pela nossa criatividade, aliás, temos que comemorar porque o Brasil está melhorando, estamos trabalhando e, com o País todo unido, vamos avançar. E isso é importante", salientou.

A Secom não divulgou os gastos, mas a estimativa é de que mais de R$ 800 mil foram usados na festa que teve como mote a campanha da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), que pretende enaltecer a auto-estima dos brasileiros: "O melhor do Brasil é o brasileiro". Durante o desfile, propagandas de empresas do governo eram veiculadas pelo serviço de som instalado na Esplanada.

O ministro Gilberto Gil, da Cultura, comparou a festa da Independência com o 4 de Julho dos Estados Unidos, o "Independence Day" dos norte-americanos. O atleta Vanderlei Cordeiro, que na última prova dos Jogos de Atenas foi seguro pelo ex-padre irlandês Neil Horan quando estava na liderança e acabou ganhando a medalha de bronze, disse que se sente bem encaixado na campanha do governo que prega a auto-estima dos brasileiros. "Abrir o desfile é como ganhar medalha. Eu sou um dos brasileiros, como diz a campanha do presidente Lula, que não desistem nunca. Estou sempre acreditando no País e os atletas são exemplo disso. Sempre fazemos o melhor para representar o verde e o amarelo lá fora", disse.

Para o ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, é preciso "disseminar o sentimento de amor" para que os brasileiros voltem "a vestir a camisa" do País. "Não podemos perder de vista os nossos deveres para com a preservação e a defesa de nossos valores cívicos", salientou.

Vendedores frustrados

Mas os vendedores que pretendiam aproveitar o evento para ganhar um extra, não estavam tão otimistas. José Eduardo da Silva chegou na Esplanada dos Ministérios às 4h da manhã com três sacos de laranja para garantir um bom lugar nas comemorações. Não para ver o desfile, mas para instalar seu "negócio". Foi um dos poucos a desfrutar de uma sombra. Mesmo assim estava desolado. O bom momento da economia não chegou para ele. "Ofereço seis laranjas descascadas a R$ 1 e ninguém compra", disse. Às 11h da manhã o primeiro saco ainda estava pela metade.

Como Silva, dezenas de pessoas passaram ontem longe dos palanques e arquibancadas e sequer viram o desfile. Era um dia para tentar faturar um troco a mais, o que não foi fácil. No clima quase desértico de Brasília, sobraram maçãs do amor, churros e algodão doce. Só se deu bem quem vendeu água. A legião de trabalhadores informais voltou para casa frustrada. "Não há motivos para comemorar como pediu o presidente Lula. A gente veio trabalhar", disse a vendedora de cachorro-quente Regina Oliveira. Robson dos Santos madrugou para armar uma barraca na sombra. Esperava faturar R$ 300 ontem com a venda de água, refrigerante e guloseimas. "Só estou vendendo água e balas. É a cara do Brasil. O povo não tem dinheiro", lamentou. Santos acha que o governo gastou à-toa para enfeitar a cidade de verde e amarelo e não soube explicar o que é auto-estima.

Captação externa

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, disse ontem em Londres, que o Brasil pretende captar US$ 1 bilhão até o Natal para completar o plano de financiamento externo, mas analistas e operadores acreditam que a emissão ocorrerá muito mais cedo.