Título: Acordo Mercosul-UE pode ser adiado
Autor: Lívia Ferrari
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/09/2004, Internacional, p. A-12

Negociações devem ser retomadas junto com a Rodada de Doha, afirma Graça Lima. O representante do Brasil junto à União Européia (UE), o embaixador José Alfredo Graça Lima, admite ser "improvável" firmar acordo Mercosul-União Européia (UE) até 31 de outubro próximo, conforme a data prevista originalmente. Ele reconhece que as negociações entre as partes "estão paradas, mas não mortas" e que prefere a postergação, pois dadas as dificuldades de avanços nas ofertas de acesso a mercado, Graça Lima considera melhor tentar coincidir o calendário das negociações birregionais com a possível retomada dos entendimentos multilaterais, no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Realista, o embaixador brasileiro tende a crer que a retomada das negociações agrícolas na Rodada da OMC (rodada de Doha) somente deverá ocorrer somente em setembro de 2005. Sua crença baseia-se na evolução do próprio calendário dos Estados Unidos. "O momento agora é de eleições presidenciais nos EUA. O novo mandato presidencial virá acompanhado pela necessidade de renovação do `fast track¿ (aprovação do Congresso americano dando poderes para o Executivo firmar acordos de comércio), o que deverá ocorrer somente após junho de 2005, pouco antes, portanto, das férias de verão no Hemisfério Norte que paralisam tudo".

O negociador brasileiro lembra que a data limite para o entendimento Mercosul-UE havia sido estabelecida no passado com base, essencialmente, no calendário da Comissão Européia, cujo novo comissariado toma posse em 1 de novembro para uma gestão de quatro anos.

Apesar da manifestada disposição política das duas partes na direção do entendimento, Graça Lima não vê, no momento, sinalizações práticas de melhoria de oferta de acesso a mercado por parte dos europeus. Ele observa que a proposta da UE - centrada em ampliação de cotas quantitativas de importação para determinados produtos agropecuários - deixa de fora o açúcar (o Brasil é o maior produtor mundial) e, numa tentativa de compensação, oferece cota para o etanol. "A cota para etanol é teórica. Não tem efeito comercial prático no curto prazo, pois não existe mercado para o produto. Ou seja, é uma cota que não gera riqueza", ressalta Graça Lima.

Também no caso das cotas de importação de carnes, a oferta dos europeus ao Mercosul, segundo o embaixador, não satisfaz, pois a proposta está sujeita a uma série de condicionalidades, com aumentos nos volumes das cotas escalonados em dez anos e imposição de restrições a importações fora das cotas. Além disso, o Brasil (dentro e fora da cota, mesmo com aplicação de tarifas de importação) já exporta hoje quatro vezes mais em volume do que o previsto na nova oferta da UE.

Com sabedoria, Graça Lima alerta que ofertas de ampliação de volumes de cotas podem, às vezes, representar vantagens de curto prazo, mas podem também impedir maiores ganhos no longo prazo.

Em 1 de novembro toma posse uma nova Comissão Européia, com os representantes dos 25 estados do bloco. Será presidida por João Manuel Durão Barroso (ex-primeiro ministro e ex-ministro das Relações Exteriores de Portugal). "É um homem com visão transatlântica", observa Graça Lima, acreditando que o idioma português poderá ser mais um fator de aproximação.

Ele admite que a Europa ampliada "não é muito conducente a maiores aberturas" e reconhece que a nova UE terá um mercado consumidor maior. Mas o Produto Interno Bruto (PIB) dos novos países membros não é grande suficiente ao ponto de criar comércio exterior extra. Ou seja, a demanda adicional deverá ser atendida pela própria UE. Também os fundos de cooperação da UE deverão ser canalizados à ajuda dos entrantes, em detrimento de países da África ou da América Latina, acredita o embaixador. Ainda assim, Graça Lima observa que há forças e interesses que poderão contrabalançar em favor de um acordo Mercosul-UE. É o caso de Portugal e Espanha, que têm investimentos no Brasil e na Argentina ; da Alemanha e Suécia.