Título: Quinze anos de impunidade
Autor: Luis, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 17/04/2011, Brasil, p. 14

Questão agrária

Há 15 anos, o país testemunhou uma cena que ficou gravada como símbolo da intolerância na solução de conflitos agrários. Um grupo de sem-terra e policiais militares do Pará entraram em confronto em uma estrada próxima a Eldorado do Carajás. O resultado foi um saldo de 19 trabalhadores mortos e dezenas de feridos. O episódio causou comoção nacional e internacional e a questão fundiária continua como um dos principais gargalos dos governos federal e estadual.

A semana passada foi marcada por eventos com famílias do Assentamento 17 de abril, próximo a Eldorado dos Carajás, palco do sangrento embate. Os trabalhadores fizeram um manifesto com várias reivindicações. Uma delas é a indenização pelas mortes em 1996. ¿Exigimos justiça, reparação econômica às famílias dos mortos, assim como um plano de julgamento por parte do Tribunal de Justiça do Estado para os casos emblemáticos, como mandantes e assassinos de trabalhadores sem-terra, de indígenas e de militantes sindicais e religiosos¿, diz o manifesto, em forma de abaixo-assinado.

Apesar de terem sido condenados, os oficiais que comandaram a ação estão em liberdade. O coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram julgados pela primeira vez em agosto de 1999 e terminaram absolvidos. Um ano depois, a Justiça do Pará anulou o julgamento, considerado não isento. O júri foi retomado em 2002, em sessão tumultuada. Por fim, os dois oficiais acabaram condenados. Pantoja, a 228 anos de prisão; Oliveira, a uma pena de 158 anos. Os dois entraram com recursos em instâncias superiores e aguardam as decisões em liberdade.

Dorothy Os conflitos pela terra diminuíram na análise quantitativa, mas continuam sendo uma das grandes preocupações do governo. Em fevereiro de 2005, o assassinato da irmã Dorothy Stang, uma das ativistas contra o latifúndio na região de Anapu, levou o Pará a ser novamente alvo das atenções. A religiosa chegou à região justamente por causa das questões da terra, já que havia no estado uma grande entrada de posseiros de estados próximos, como o Maranhão. Ela foi morta por dois pistoleiros, presos dias depois. Ambos foram julgados e condenados. O suposto mandante ficou livre.

O último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostrou que, apesar do massacre de Eldorado do Carajás e da morte de Dorothy Stang, o Pará continua sendo um dos grandes problemas em relação à violência e ocupação e posse da terra. Entre os estados do Norte, é o que apresentou as maiores ocorrências em alguns pontos da pesquisa feita em 2009, quando a CPT publicou o último balanço. Foram 194 famílias expulsas de propriedades, 2.454 despejadas e outras 2.324 ameaçadas de despejo.

Um outro fato preocupa as autoridades: o volume de terras devolutas no Pará. No ano em que ocorreu o conflito de Eldorado do Carajás, o assunto já havia sido discutido, mas foi a partir do ano passado que começaram as legalizações de áreas antes pertencentes à União. Hoje, o Assentamento 17 de Abril, onde está a maior parte dos sobreviventes do confronto, produz 20% da produção que abastece as cidades próximas.